SOS! Cientistas começam a usar pontos de exclamação nos seus estudos do clima

Alguns investigadores dizem que o surgimento do ponto de exclamação em trabalhos científicos, habitualmente mais dados a eufemismos cautelosos, reflecte a crescente preocupação da sociedade em relação ao aumento global das temperaturas.

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Para activistas climáticos, o ponto de exclamação é usado há muito em cartazes de protesto ou sensibilização Daniel Rocha

Desde há muito tempo que a maioria dos estudos científicos — até mesmo aqueles com as descobertas mais notáveis — tem dificuldade em chegar a um público mais alargado devido a títulos pouco cativantes (ou, por vezes, demasiado técnicos e inteligíveis). Mas os investigadores, à medida que ficam progressivamente mais preocupados com os efeitos adversos e cada vez mais intensos das alterações climáticas, começam a incorporar nos seus estudos científicos um sinal de pontuação que, para eles, é pouco comum: o ponto de exclamação.

SOS! Verão de fumo”, lê-se no título de um estudo citado em relatórios elaborados este ano pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) das Nações Unidas. Outro estudo proclama: “Demasiado quente para ajudar!”

Para activistas climáticos, o ponto de exclamação é usado há muito em cartazes de protesto ou sensibilização, desde “Acção climática agora!” até “Não há planeta B!”, por exemplo. Os activistas esperam que os pontos de exclamação, ao despertarem sentimentos viscerais que condizem com as descobertas científicas sobre a deterioração do planeta, possam conduzir a esforços mais significativos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

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Protesto em defesa da Amazónia (e contra Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil) no Rio do Janeiro Marcelo Sayao/Lusa

Alguns investigadores dizem que o surgimento do ponto de exclamação em trabalhos científicos, habitualmente mais dados a eufemismos cautelosos, reflecte a crescente preocupação da sociedade em relação ao aumento global das temperaturas.

Adeniyi Asiyanbi, da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), escreveu um relatório que o IPCC citou e cujo título é o seguinte: “‘Não percebo esta cena do clima!’ Entender as alterações climáticas no seio da classe média empresarial em Lagos [cidade da Nigéria].” O ponto de exclamação veio de uma conversa que o autor teve com um empresário nigeriano, que se revelou frustrado com o facto de as medidas para mitigar a crise climática serem, na sua óptica, difíceis de perceber.

“Não ficarei surpreendido se se vier a perceber que [alguns investigadores] estão a usar o ponto de exclamação deliberadamente para criar um sentido de urgência — e também para meter algum medo. Pessoalmente, tenho as minhas reservas no que diz respeito à utilização do ponto de exclamação. Mas aquilo a que estou a assistir é isso”, assinala Adeniyi Asiyanbi.

O relatório de Fevereiro do IPCC, que versa sobre adaptações aos impactos das alterações climáticas, faz referência a mais de uma dúzia de estudos com pontos de exclamação nos respectivos títulos. Uma avaliação científica realizada pelo IPCC em 2014 era mais curta do que este relatório de Fevereiro, mas, ainda assim, citava apenas quatro desses estudos.

O IPCC não tem orientações específicas no que diz respeito ao uso de pontos de exclamação por parte dos seus autores, explica um porta-voz desta organização científico-política, Andrej Mahecic.

Nos seus relatórios, o IPCC evita usar o ponto de exclamação, excepto quando está a citar títulos de outros estudos. Há, no entanto, um ponto de exclamação no segundo capítulo do relatório de Fevereiro. Eis a frase: “Temperaturas mais altas também aumentam a taxa de picadas de mosquitos, o desenvolvimento de parasitas e a replicação viral!”

O ponto de exclamação será apagado na versão final do documento, diz Camille Parmesan, uma das autoras do segundo capítulo do relatório de Fevereiro. “Não, por norma o IPCC não usa pontos de exclamação (!!!!!)”, escreveu numa entrevista via email.

Entre a sobriedade das revistas científicas e o ruído das redes sociais

Muitas revistas científicas limitam o uso do ponto de exclamação, temendo que este faça parecer que os autores estão a berrar num tom derrotista.

Eis o que refere o livro de estilo da reputada revista científica Science: “O ponto de exclamação raramente se justifica na escrita científica, excepto quando é usado como um símbolo factorial em matemática.” “A Science pode permitir o uso de um ponto de exclamação como parte de uma citação directa, mas não usamos pontos de exclamação para dar ênfase”, acrescenta Meagen Phelan, assessora da revista científica.

As revistas do grupo Nature também não são fãs do ponto de exclamação. “A nossa orientação geral é evitá-lo”, resume Lisa Boucher, assessora da Springer Nature.

Por outro lado, este chamativo sinal de pontuação abunda em posts nas redes sociais, com os utilizadores a exprimirem emoções que vão do horror ao entusiasmo.

Um exemplo improvável para alguns cientistas que recentemente têm usado o ponto de exclamação no seu trabalho científico, o antigo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enchia os seus tweets de pontos de exclamação antes de a sua conta ter sido bloqueada. Durante um período de frio em Janeiro de 2019, Trump escreveu: “Que raio se passa com o Aquecimento Global? Por favor, volta depressa, precisamos de ti!”

Hoje em dia, até os utilizadores mais cautelosos estão a adoptar nos seus tweets o ponto de exclamação, numa tentativa de se fazerem ouvir. Com as ondas de calor severas deste Verão, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas incluiu um emoji de um sinal de aviso (um triângulo amarelo com um ponto de exclamação preto) num tweet em que referia que a subida das temperaturas aumenta a probabilidade de morte (devido ao stress térmico).

“A situação está a ficar cada vez mais dramática, pelo que o uso dos pontos de exclamação está a tornar-se cada vez mais apropriado”, explica John Hay, responsável em parte pela gestão das redes sociais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas — que, de resto, raramente usa o ponto de exclamação no Twitter.

Liuba Belkin, da Universidade Lehigh (Estados Unidos) e que estuda psicologia social, é a autora do estudo “Demasiado quente para ajudar!” (o tal estudo que também foi citado pelo IPCC). Versa sobre a ideia de que, no meio de ondas de calor que, de tão intensas que são, condicionam a energia das pessoas, é menos provável que os funcionários de lojas na zona Leste da Europa ajudem clientes. O estudo foi publicado na revista European Journal of Social Psychology.

“Tento usar meta-comunicação (pontos de exclamações, smileys, etc.) tanto quanto possível, para enriquecer e transmitir de forma mais precisa a mensagem”, explica Liuba Belkin.

Ainda assim, muitos estão indecisos no que toca ao uso do ponto de exclamação. Danny Rubin, autor de livros sobre comunicação empresarial, é da opinião de que os pontos de exclamação são usados em demasia, o que diminui o seu valor, e raramente são usados para comunicar “entusiasmo ou urgência”. “Como em tudo, a moderação é fundamental”, diz.

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