“O fim do carvão está à vista.” Estará?

Novos países comprometeram-se a acabar com o recurso ao carvão nas próximas décadas, mas nações-chave como os Estados Unidos ou a China ficaram de fora. Há também um novo compromisso de países e instituições financeiras de deixarem de financiar projectos internacionais de combustíveis fósseis até ao final de 2022.

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Imagens como esta, de uma mina de carvão na Indonésia, devem tornar-se cada vez mais raras REUTERS/Yusuf Ahmad

Num dia dedicado à energia, na COP26, em Glasgow, o presidente da Cimeira do Clima, Alok Sharma, anunciou o fim do carvão, no seguimento de um conjunto de compromissos relacionados com o fim do uso deste combustível fóssil e também do financiamento de estruturas a ele ligadas, por parte de países e investidores. Mas será assim? Não necessariamente.

“O fim do carvão está à vista”, disse Alok Sharma numa conferência de imprensa para apresentar os resultados do dia sobre os combustíveis fósseis. A suportar esta declaração estavam compromissos, assumidos por países e entidades financeiras, de porem um fim ao uso do carvão até 2030 (os mais ricos) ou 2040 (os mais pobres) - com a salvaguarda, em ambos os casos que pode ser “o mais cedo possível” depois daquelas datas - e também de deixarem de financiar investimentos internacionais de combustíveis fósseis, quando estiverem em causa “projectos ininterruptos do sector energia fóssil” até ao final de 2022.

Fora do entusiasmo demonstrado pelo responsável da COP26 e do Governo britânico, não faltaram, de imediato, as vozes a pedirem cautela. Em conferência de imprensa na cimeira, a Rede Europeia de Acção Climática (CAN, na sigla inglesa) até considerou o compromisso relacionado com o financiamento, assinado por pelo menos 25 países, incluindo Portugal, e instituições financeiras, como “histórico”, mas juntou-lhe uma outra característica: “insuficiente”. Desde logo, porque de fora daquele compromisso ficaram a China, o Japão e a Coreia do Sul, que são os principais investidores mundiais em carvão, e também porque não ficou estritamente definido que os quase 18 mil milhões de dólares que deixaram de financiar os combustíveis fósseis serão, obrigatoriamente, canalizados para as energias renováveis. Há essa recomendação, mas não mais do que isso, lamentou a CAN.

Também a Greenpeace já veio dizer que os compromissos sobre os combustíveis fósseis anunciados esta quinta-feira em Glasgow ficam “muito aquém das ambições para o fim do uso de combustíveis fósseis”, com Juan Pablo Osornio, responsável esta organização, a deixar o alerta: “Apesar das manchetes optimistas, as letras pequenas [do compromisso] dão aos países uma grande margem para decidirem o seu próprio ritmo no fim do uso do carvão.”

E os países que apresentaram novos compromissos para pôr fim ao carvão nas próximas décadas também surgem como mais um motivo para não faltar quem refreie o entusiasmo britânico. No comunicado sobre o tema, salienta-se que entre os 47 países que assinaram este compromisso (23 dos quais pela primeira vez ou reforçando metas anteriores) estão cinco dos 20 maiores produtores de carvão mundiais - a Coreia do Sul, a Indonésia, o Vietname, a Polónia e a Ucrânia -, mas não se refere que a China, a Austrália, os Estados Unidos ou a Índia, membros da mesma lista, e em posições mais cimeiras ficaram de fora.

E mesmo entre os signatários, já há quem ponha travão ao esperado. A Polónia, por exemplo, já veio anunciar que não pretende cumprir a meta de 2030, com que estaria comprometida, afirmando que só deixará o carvão de fora do seu sector energético dez anos depois. Não foi o primeiro balde de água fria na COP26 deste dia.

Horas antes, a ministra do Ambiente da Indonésia também já viera dizer que, ao contrário do que se esperava com a assinatura pelo país da Declaração de Glasgow dos Líderes sobre a Floresta e o Uso dos Solos, o estado asiático não irá acabar com a desflorestação até 2030. Instado a comentar as posições da Polónia e da Indonésia perante compromissos tão recentemente assumidos, Alok Sharma disse que não queria comentar casos concretos, mas não deixou de dizer que “todos os que assinaram estes documentos fizeram-no compreendendo o que assinavam.”

Antes de o dia terminar, Jacob Werksman, um dos principais negociadores da União Europeia, afirmou em conferência de imprensa que ainda é muito cedo para perceber o que vai acontecer, mas disse-se “relativamente confiante” com os resultados, face a sinais positivos. O responsável da UE disse ainda que avaliações das NDC, para os planos até 2030, não permitem uma perspectiva muito optimista quanto ao cumprimento da meta do Acordo de Paris de limitarmos o aquecimento global a 1,5 graus Celsius, mas que as intenções reveladas para se atingir a neutralidade carbónica, ainda que insuficientes, são “mais promissoras”.

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