A Pfizer tinha de testar se a sua vacina impedia a transmissão da covid-19?

Janine Small, presidente de mercados internacionais da Pfizer, afirmou que a farmacêutica não verificou se a sua vacina evitava a transmissão do vírus entre pessoas.

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Vacina da Pfizer-BioNtech Gregório Cunha

A frase

A Pfizer não testou se a sua vacina de ARN-mensageiro contra a covid-19 impedia a transmissão entre as pessoas antes da sua entrada no mercado.

Janine Small, presidente de mercados internacionais da Pfizer, no Parlamento Europeu

O contexto

Circulam nas redes sociais excertos de uma resposta de Janine Small, quando confrontada sobre o assunto durante uma reunião com o Parlamento Europeu, no dia 10 de Outubro. Small refere que a Pfizer e a parceira BioNTech não testaram se a sua vacina impedia a transmissão do vírus antes da sua entrada no mercado.

Tudo indica que os excertos terão sido baseados num vídeo publicado, no dia 11 de Outubro, por um membro holandês do Parlamento Europeu, Rob Roos, que foi quem perguntou a Small durante a reunião se a empresa garantiu nos seus ensaios iniciais que a vacina evitava a transmissão do vírus, pedindo uma resposta “clara”.

No vídeo, que tinha como título “ÚLTIMA HORA: Vacina nunca foi testada para impedir a transmissão. Isto significa que o certificado COVID foi baseado numa grande mentira”, Small responde que “não”, explicando que tiveram “realmente de avançar à velocidade da ciência para compreender o que se está a passar no mercado”.

Em reacção às palavras da responsável, nas redes sociais, muitos utilizadores acusam agora a Pfizer, e também os políticos, de terem mentido na altura sobre a eficácia da vacina quanto à transmissibilidade do vírus. Alegam ainda que a vacina nunca foi feita com o objectivo de prevenir a transmissão e, por conseguinte, que os certificados de vacinação deveriam ter sido considerados “ilegais”, segundo um tweet partilhado mais de 10 mil vezes. À Associated Press, Rob Roos disse que, com o seu vídeo, não quis apontar o dedo à Pfizer, mas sim à forma como os governos reagiram.

Os factos

É verdade que a Janine Small afirmou que não foram realizados estudos acerca do efeito da vacina na transmissão do vírus entre as pessoas durante os ensaios clínicos iniciais. Contudo, quando pediram, em 2020, a aprovação de emergência, as empresas farmacêuticas só precisaram de mostrar que as vacinas eram seguras e que tinham uma eficácia de, pelo menos, 50% contra a “doença sintomática”. Não tinham de garantir que a vacina também impediria o vírus de passar de pessoa em pessoa, como confirmou à Reuters um porta-voz da Pfizer.

“O ensaio clínico central da BNT162b2 [como a vacina era designada antes de ser comercializada como Cominarty] cumpriu dois parâmetros críticos, incluindo o parâmetro da eficácia, que é a prevenção da infecção sintomática confirmada por covid-19, e um parâmetro secundário, o da prevenção da doença grave. Os ensaios do BNT162b2 não foram concebidos para avaliar a eficácia da vacina contra a transmissão da SARS-CoV-2”, disse numa resposta por escrito.

Num documento apresentado nesse mesmo ano, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla inglesa) deixava claro que só à medida que as vacinas fossem administradas é que se poderia tirar conclusões quanto a outros possíveis benefícios, como a “protecção a longo prazo”, a “prevenção da infecção (casos assintomáticos)” e a “prevenção da transmissão do vírus na comunidade”.

As próprias Pfizer e BioNtech, cuja vacina de ARN-mensageiro começou a ser distribuída logo depois de ter recebido a aprovação de emergência — a 11 de Dezembro de 2020, nos EUA, e a 21 de Dezembro, na UE —, declararam publicamente na altura que precisariam de, pelo menos, entre três e seis meses para investigar a questão da transmissão do vírus. Em declarações ao jornal The Journal, o CEO da Pfizer David Bourla disse, em Janeiro de 2021, que os dados preliminares sobre a transmissão na população em geral eram “encorajadores”, mas que ainda não tinham nada “conclusivo”.

Mais tarde, veio a confirmar-se a eficácia das vacinas de ARN-mensageiro quanto à transmissão, o que levou as autoridades nacionais de saúde em muitos países a implementar ou propor regulamentos como o certificado de vacinação.

Logo em Fevereiro de 2021, um estudo feito por investigadores israelitas mostrou uma queda acentuada das infecções entre os profissionais de saúde nos 15 a 28 dias após a administração das duas doses. E, ao longo do ano, foram surgindo mais provas de que as vacinas preveniam tanto a infecção como a transmissão do vírus. Porém, o surgimento de variantes, como a Delta e, mais recentemente, a Ómicron, aliado à redução da imunidade das vacinas com o passar do tempo, fez com que a protecção viesse a diminuir, embora não totalmente.

Em resumo

As alegações nas redes sociais partem do pressuposto errado de que a Pfizer foi obrigada a testar a vacina quanto à transmissão ou que disse tê-lo feito aquando do lançamento no mercado.

Quanto às políticas que foram implementadas, no início de 2021, a exigir certificados de vacinação para aceder a espaços públicos ou entrar nos países, podem ter-se baseado, em parte, nos dados científicos que foram mostrando que a vacina impedia, de facto, a transmissão das variantes que então circulavam.

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