Se as tendências forem de fiar, a magreza extrema pode estar de volta

Enquanto influencer que tem vindo a ditar os ideias de beleza, o emagrecimento de Kim Kardashian faz questionar se os corpos femininos com curvas estarão em risco de sair de moda. Este domingo é o Dia Mundial da Alimentação.

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Kim Kardashian com Stefano Gabbana e Domenico Dolce, na última Semana da Moda de Milão REUTERS/ALESSANDRO GAROFALO

Se antes Kim Kardashian simbolizava uma mulher com curvas definidas e bem assumidas, desde que resolveu perder sete quilos em três semanas para se enfiar num vestido da icónica Marylin Monroe, para a Met Gala, em Maio, a sua ideia de corpo perfeito e sensual parece ter mudado.

A silhueta delineada de Kim Kardashian ajudou milhares de raparigas e mulheres a sentirem-se bem nos seus corpos voluptuosos (empurrando outras para intervenções cirúrgicas, a fim de corresponderem a esse ideal) — não há como negar que as Kardashian-Jenners são figuras públicas que têm ditado as tendências e os padrões de beleza nos últimos anos. Contudo, a questão que agora surge é se esta viragem da percepção corporal da influencer terá consequências semelhantes, mas na direcção inversa.

“Marca uma mudança de tom, inaugurando o final de uma era que dizia, pelo menos, celebrar os corpos com curvas”, escreve Marielle Elizabeth, colunista da Vogue britânica. “Se a mulher que mais influenciou e moldou os padrões de beleza nos últimos 15 anos está lentamente a desaparecer diante dos nossos olhos, é porque a praga do ideal anoréctico branco (...) está de volta às nossas vidas”, escreve, por sua vez, Noelia Ramírez, jornalista do El País, evocando a memória do início do milénio em que a tendência era o corpo “impossivelmente magro” para se estar à altura da moda que então vigorava: as calças de cintura baixa que exigiam ou uma barriga lisa, ou um encolhimento crónico da mesma.

E, aparentemente, a tendência está de volta, basta olhar para os expositores das marcas mais compradas pelas adolescentes e jovens. Há sempre o “revivalismos de épocas passadas” que está a ganhar crescente adesão entre as celebridades da geração Z, como Hailey Bieber ou a cantora Dua Lipa, e, por conseguinte, chega às suas seguidoras, reconhece Tó Romano, director da agência Central Models, ao PÚBLICO.

Diversidade corporal

O caso de Kim Kardashian — que admitiu, em Junho, ter emagrecido ainda mais, mostrando nas redes sociais um “antes” e um “depois” bastante controverso e que incendiou as redes sociais —, pode ser visto com preocupação, avalia a médica Catarina Santos, da Clínica Metamorfose, em Vila Franca de Xira, ao PÚBLICO.

“Sabemos que estes modelos trazem problemas psicológicos às classes mais jovens”, diz. São as adolescentes “quem mais sofre por ainda não terem uma personalidade formada e serem mais susceptíveis a deixarem-se influenciar” por este “tipo de exemplos que acabam por ser nocivos, mesmo não parecendo, mesmo sendo uma moda”, denuncia.

Isto porque, as jovens ambicionam a “vida cor-de-rosa” que vão seguindo nas redes sociais, concorda a nutricionista Ana Bravo, advertindo que é importante perceber que cada pessoa “é como é” e que procurar padrões inalcançáveis tem riscos associados.

Tó Romano reconhece que o tema da magreza enquanto “lei” corporal nunca deixará de ser tema de conversa, mas um aspecto positivo que o século XXI trouxe foi a ligação da imagem às questões da saúde. Agora há uma aposta na “naturalidade e no saudável”, daí que, a seu ver, a opinião generalizada em torno do caso de Kim Kardashian seja mais “criticável” do que “convidativo a fazer o mesmo”. São as dietas e os comportamentos exagerados que levam a transformações “da noite para o dia” que começam a “estar fora de moda”, frisa.

A médica Catarina Santos recorda que, “nas últimas décadas, o corpo gordo que indicava abundância e riqueza passou a ser visto como uma falha moral” e a magreza, por sua vez, um ideal a seguir. Mas que, ainda assim, muito mudou nos últimos anos, com os movimentos da body positivity ou body neutrality, por exemplo, tendo os meios de comunicação social e a publicidade contribuído para que se começasse a ver modelos com “padrões estéticos não estereotipados” e com “imperfeições”.

Para o director da Central Models, “esta liberdade conquistada” relativamente à diversidade corporal — impulsionada, no início dos anos 2000, pelas campanhas da marca Dove —, dá esperança e tudo indica que veio para ficar. Vivemos tempos de uma “democratização da moda e da aceitação do corpo”, diz o ex-modelo.

Por um lado, prossegue Tó Romano, existe uma grande variedade de vestuário, sendo cada um convidado a definir o seu próprio estilo para que nunca se sinta “fora de moda”; por outro, “a tendência é para que qualquer pessoa se sinta bem com o seu corpo, mas, acima de tudo, que aceite o seu corpo”. E continua: As próprias influencers digitais contribuíram para isto, uma vez que muitas não têm “um 1,80m e não são super magras”.

Evitar restrições excessivas

Foi a usar um fato de sauna duas vezes ao dia, com corridas regulares na passadeira e um corte total dos açúcares e hidratos de carbono, que, em pouco tempo, Kim Kardashian atingiu o peso que queria. Práticas que não devem ser seguidas por ninguém, aconselha a médica Catarina Santos, visto que podem levar a “reduções de peso bruscas, com perdas de massa muscular, desidratação” e até desenvolver “transtornos alimentares” e outros problemas psicológicos, como depressão ou ansiedade.

No seu trabalho, a nutricionista Ana Bravo tem vindo a sentir os efeitos das redes sociais e da desinformação, no que diz respeito à nutrição, aconselhando que, se o objectivo é aprender a comer melhor, então há que seguir as páginas de quem sabe do que fala: os nutricionistas. “Sou nutricionista há 20 anos e nunca tive pessoas na consulta com tantas dúvidas, porque x e y disseram não sei o quê”, testemunha.

O importante para quem quer emagrecer, recomenda, é respeitar-se a si mesmo, os seus gostos e evitar restrições excessivas para que o processo se mantenha saudável e não se torne num suplício ou em “mais um conjunto de tarefas numa vida já por si atarefada”. Adicionar ao plano alimentar actividade física adequada também é essencial e, por fim, importa saber pôr um ponto final no processo de emagrecimento assim que se atingir o peso desejado. Em caso de visão distorcida do corpo, é importante pedir ajuda, acrescenta.

Além do mais, lembra Ana Bravo, deve-se evitar que a preocupação em emagrecer passe a dominar a vida: a alimentação também está aliada a momentos de convívio e de felicidade e não é por haver momentos de excepção no plano alimentar que fica “tudo estragado”.

Há que cuidar do corpo, sim, concordam os especialistas, mas para ganhar saúde e não com o objectivo de atingir determinados padrões de estética. Até porque, conclui Tó Romano, o ideal de beleza, mais do que a aparência, está associado a algo que vem de dentro: “O positivismo, o sorriso, a alegria.”

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