Eutanásia: entre o pedido e a morte terão que decorrer pelo menos dois meses

Texto de substituição com base no projecto do PS cria também prazos entre 15 e 20 dias para pareceres dos médicos, prevê uma consulta inicial e acompanhamento psicológico durante todo o processo (mas apenas se o doente quiser). Votação pode acontecer antes da discussão do OE2023.

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A deputada do PS Isabel Moreira é a autora do texto de substituição daniel rocha

O novo texto de substituição do projecto de lei sobre a eutanásia prevê um prazo mínimo de dois meses entre o pedido e a concretização da morte medicamente assistida. Além disso, há outros procedimentos que podem fazer retardar o acto, como prazos de 20 e 15 dias úteis para os pareceres médicos, incluindo para um novo parecer psiquiátrico caso haja necessidade; e também regras novas como uma consulta inicial e disponibilização de acompanhamento de um psicólogo durante todo o processo; e um limite de 20 dias para a designação dos membros da Comissão de Verificação e Avaliação. Estas são as balizas temporais que os deputados do PS, IL, BE e PAN tencionam incluir no regime de legalização da eutanásia.

E, para contornar a possibilidade de haver uma lei “coxa” por falta de um membro da Comissão de Avaliação depois do aviso da Ordem dos Médicos de que não iria indicar representante, o texto prevê agora que esta possa funcionar sem a composição toda.

Os partidos discutiram nesta quinta-feira de manhã um texto de substituição elaborado pela deputada Isabel Moreira a partir do projecto de lei do PS e que recebeu contributos e “absoluto consenso” dos outros partidos que viram os seus diplomas aprovados na generalidade, descreveu a socialista. Os deputados estão a tentar desenhar uma lei com as menores possibilidades de ataque, já que o Presidente da República avisou que irá enviá-la para fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional.

Agora o texto terá que ser votado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para depois seguir para a votação final global em plenário. Ambos os passos poderão acontecer já na próxima semana e o processo ficar fechado antes da discussão do OE2023.

Perante o grupo de trabalho, a deputada argumentou que a preocupação de introduzir prazos resultou das várias audições das últimas semanas para evitar o cenário de “o procedimento poder ser, consoante as circunstância do doente, ou curto demais ou longo demais”, e que a regra sobre o quórum da comissão é para esta “poder funcionar”, independentemente das circunstâncias.

Só o deputado Pedro Frazão, do Chega, se manifestou “liminarmente” contra o diploma, criticou diversas “falhas” das regras - como a ausência da família, a falta de parecer psiquiátrico obrigatório para verificar a real vontade do doente, os prazos apertados - e o que uma lei destas representa de falta de protecção da vida humana pelo Estado, e defendeu a inviolabilidade da vida humana. E lamentou que a lei abre o caminho a uma avaliação de que “há vidas que valem a pena ser vividas e outras não”.

“A concretização da morte medicamente assistida não pode ter lugar sem que decorra um período de dois meses a contar da data do pedido de abertura do procedimento”, estipula o novo texto de substituição. No prazo de dez dias a contar do início do processo, o doente “tem acesso a uma consulta de psicologia clínica, cuja marcação é da responsabilidade do médico orientador” e é-lhe “assegurado, ao longo de todo o procedimento, o acesso a acompanhamento por parte de um especialista em psicologia clínica”.

Esta questão da participação de um psicólogo no processo foi uma das bandeiras defendidas pelas entidades ligadas à psicologia - a Ordem e várias associações - em diversas audições e pareceres. Porém, os deputados optaram por não tornar obrigatório esse acompanhamento: embora o texto da lei refira a obrigatoriedade, acrescenta “salvo se o doente o rejeitar expressamente”.

O psicólogo deverá garantir que o doente compreende plenamente as consequências da sua decisão “em si próprio e naqueles que o rodeiam”, assim como o “esclarecimento das relações e comunicação entre o doente e familiares” e os profissionais de saúde que o acompanham, com o objectivo de “minimizar a possibilidade de influências indevidas na decisão”.

De fora do novo texto ficou, no entanto, o apelo de algumas entidades para que a lei estipulasse alguma espécie de informação prévia à família do doente, uma vez que, tal como está, não há qualquer participação de familiares no processo, a menos que o doente o peça.

Parecer da comissão de avaliação em cinco dias

Quanto aos prazos – uma novidade absoluta nas diversas versões de diplomas que já foram aprovados nos últimos anos –, o do médico orientador (escolhido pelo doente no início e que dá o mote a todo o processo) deve ser feito no máximo em 20 dias úteis, ao passo que o médico especialista tem apenas 15 dias úteis.

Esse tempo é também o que tem o médico especialista em psiquiatria para fazer o seu parecer no caso de os outros dois médicos terem dúvidas sobre a capacidade do doente para solicitar a eutanásia segundo uma vontade “séria, livre e esclarecida” (que é a base do pedido) ou admitam que tem alguma perturbação psíquica ou condição médica que afecte a sua capacidade de tomas decisões.

Novo é também o calendário para a elaboração do parecer da Comissão de Verificação e Avaliação (CVA) dos Procedimentos da Morte Medicamente Assistida, que tem que o fazer no máximo em cinco dias úteis. E até para a nomeação dos membros da comissão: as entidades têm que indicar os seus representantes até 20 dias depois de a lei entrar em vigor.

A comissão será composta por um jurista indicado pelo Conselho Superior da Magistratura e outro pelo Conselho Superior do Ministério Público; um médico e um enfermeiro indicados pelas respectivas Ordens; e um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

A actual direcção da Ordem dos Médicos recusa nomear qualquer representante para a comissão, mas agora o texto final prevê que esta possa funcionar com qualquer quórum. “Matar o doente a seu pedido, por administração de uma injecção ou facultando um fármaco com a intenção de matar, são práticas que não se enquadram no exercício da medicina”​, alega a Ordem, liderada por Miguel Guimarães.

De sofrimento “intolerável” para “de grande intensidade"

Neste texto há ainda um retoque de conceitos para densificar alguns termos sobre os quais o Presidente da República havia apontado dúvidas e altera-se a expressão “sofrimento intolerável” para sofrimento de grande intensidade”.

“Considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”, estipula esta nova redacção.

Para aceder ao processo de eutanásia é preciso que o doente tenha uma “lesão definitiva de gravidade extrema” ou “doença grave e incurável”. Desapareceu a referência inicial à “doença fatal”, passando agora a considerar-se apenas a “doença grave e incurável” - que é aquela que “ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade”.

Mantém-se o conceito de lesão definitiva de gravidade extrema do diploma já vetado no final do ano passado: é uma “lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das actividades elementares da vida diária, existindo certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa.

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