Amnistia acusa Letónia de torturar migrantes junto à fronteira bielorrussa

Com milhares de pessoas às portas da União Europeia, Letónia declarou estado de emergência e, acusa a Amnistia Internacional, maltratou quem procurava asilo. Governo diz que acusações são “absurdas”.

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Polónia, Letónia e Lituânia reforçaram as fronteiras perante a chegada de milhares de pessoas Ints Kalnins/REUTERS

Os refugiados e migrantes que a partir do Verão de 2021 tentaram entrar na Letónia a partir da Bielorrússia foram sujeitos pelas autoridades letãs a detenções arbitrárias em localizações desconhecidas, regressos forçados ao outro lado da fronteira, espancamentos e outros tipos de violência, denuncia a Amnistia Internacional num relatório divulgado esta quinta-feira.

O documento descreve detalhadamente um cortejo de horrores por que um conjunto de 17 refugiados e migrantes diz ter passado a partir de Agosto de 2021, quando a Letónia declarou o estado de emergência devido à enorme quantidade de pessoas que se acumulavam ao longo da sua fronteira com a Bielorrússia.

Os entrevistados relataram que após cruzarem a fronteira para a Letónia, a guarda fronteiriça detinha-os e entregava-os a uma força especial não identificada, cujos membros se vestiam de negro e andavam com os rostos cobertos. Estes “comandos”, como são nomeados no relatório, apreendiam os telemóveis às pessoas e levavam-nas para tendas em zonas de floresta densa e gelada onde, alegam, não havia as mínimas condições de salubridade.

Os refugiados e migrantes contaram que os “comandos” os forçavam a não levantar a cabeça para não conhecerem o caminho até às tendas e que, caso desobedecessem, eram agredidos. O Governo letão argumenta que estas tendas serviam como postos de assistência humanitária, mas a Amnistia Internacional diz ter recolhido testemunhos que contrariam esta versão. “Entre Setembro e o fim de Outubro, eles levavam-nos para uma grande tenda na floresta para dormir”, afirma no relatório um iraquiano de nome fictício Adil. “Pelas 4h ou 5h, acordavam-nos, levavam-nos de novo para a floresta”, acrescenta.

“Uma vez saídas das tendas, as pessoas eram geralmente reenviadas para a Bielorrússia e deixadas no limbo entre os dois países até que eram detidas novamente pelas forças letãs”, diz o relatório.

Nas travessias da fronteira também havia violência. “Obrigavam-nos a despir-nos, por vezes batiam-nos quando estávamos nus e forçavam-nos a voltar para a Bielorrússia, por vezes tendo de atravessar um rio que estava muito frio. Diziam que nos alvejavam se não atravessássemos”, relata outro iraquiano, Hassan.

Outros relatos recolhidos pela Amnistia Internacional revelam que nem todos os refugiados e migrantes eram levados para tendas. Alguns dizem que dormiam ao relento no meio da floresta, sobre um chão coberto de neve em zonas em que havia lobos e ursos.

A todos lhes terá sido negado fazerem um pedido de asilo na Letónia. “Agentes letões coagiram algumas pessoas retidas na fronteira a aceitarem um regresso ‘voluntário’ aos seus países de origem, [dizendo que] era a única forma de saírem da floresta.”

Governo rejeita acusações

Atraídas pela promessa bielorrussa de uma entrada fácil na União Europeia, milhares de pessoas do Iraque, da Síria, do Afeganistão, do Líbano e de outros países africanos e asiáticos começaram a deslocar-se para Minsk no Verão do ano passado. As autoridades dos três países comunitários com que a Bielorrússia faz fronteira – Polónia, Letónia e Lituânia – acusaram o regime de Alexander Lukashenko de transportar os refugiados e migrantes para as fronteiras em autocarro e de os despejar ali em acampamentos sem condições.

A União Europeia acusou a Bielorrússia de ter usado os migrantes num “ataque híbrido” como resposta às sanções contra o regime de Lukashenko. A Polónia, a Lituânia e a Letónia decretaram o estado de emergência em Agosto, o que levou a um reforço do policiamento das fronteiras e à mobilização do Exército para essas zonas.

“A extensão dos abusos a que os actores estatais letões e os seus agentes sujeitaram pessoas e famílias na fronteira com a Bielorrússia não pode ser justificada como um uso legítimo de poderes excepcionais num período de emergência”, diz a Amnistia Internacional. “O estado de emergência não foi nem necessário nem proporcionado como requerem as leis europeias, regionais e internacionais.”

O Governo da Letónia diz que as acusações da Amnistia são “absurdas” e acusa a organização de querer “pôr no mesmo plano a abusiva instrumentalização da migração pela Bielorrússia com a ameaça intencional contra as fronteiras externas da UE e os requerentes de asilo genuínos e pessoas em situação vulnerável”.

Segundo o Ministério do Interior do país, desde Agosto de 2021 até à passada terça-feira, foi autorizada a entrada pela fronteira bielorrussa a 195 pessoas por razões humanitárias. “Nenhum país é obrigado a receber todos os estrangeiros que querem entrar no seu território, ainda para mais pessoas que querem atravessar ilegalmente a fronteira”, diz um comunicado do ministério, citado pela agência de notícias Leta.

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