A depressão não é um estado de espírito

Aproximadamente uma em cada cinco pessoas no mundo têm depressão em alguma altura da sua vida. O Dia Mundial da Doença Mental assinala-se nesta segunda-feira.

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"A depressão é a principal causa de incapacidade para o trabalho na maioria dos países ocidentais" Malicki M Beser/Unsplash

De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é atualmente a principal causa de anos de vida doente em todo o mundo. Por outras palavras, é a doença responsável por mais dias de doença, cumulativamente falando, na população global.

Para isso contribui a sua elevada prevalência, sendo estimado que aproximadamente uma em cada cinco pessoas no mundo tenham depressão em alguma altura da sua vida. O problema tende a agravar-se, uma vez que a prevalência de depressão tem vindo comprovadamente a aumentar nos últimos anos — antes e depois da pandemia; por causa dela e não só.

Ao mesmo tempo, o atraso no diagnóstico de depressão, que pode chegar a vários anos, e o consequente atraso no seu tratamento, contribui também para um quadro clínico mais prolongado — e por isso mais dias de vida doente. Além disso, a depressão é a principal causa de incapacidade para o trabalho na maioria dos países ocidentais, nos quais se incluem Portugal, com elevados custos diretos e indiretos associados.

Curiosamente, sendo uma doença tão relevante, a verdade é que o investimento que tem recebido é desproporcionalmente baixo. Apesar de a depressão ser uma das doenças atualmente mais impactantes para as pessoas, de todos os pontos de vista, o investimento em saúde mental não ultrapassa na maior parte dos países os 2% do orçamento total dedicado à saúde. Pode ser que essa subvalorização da doença mental, em particular da depressão, esteja culturalmente enraizada e que, mesmo sem que se apercebam, os decisores políticos dediquem à saúde mental muito menos atenção do que as estatísticas fariam prever.

Mas isso não acontece só ao nível da decisão política — acontece ao nível das vivências individuais das pessoas que têm depressão e das que as rodeiam, com a dificuldade em aceitar que se pode ter um diagnóstico e, ainda mais, que se pode estar a precisar de um tratamento.

Ainda me surpreendo quando alguém diz “eu não acredito em depressões” ou “eu não tenho tempo nem feitio para estar deprimido”. Infelizmente isso ainda é frequente. Mesmo que a palavra “depressão” seja hoje mais usada do que nunca, a realidade é que a ignorância sobre a doença continua a ser grande. O desconhecimento é o principal motor do estigma que reveste as doenças mentais — e o seu resultado é o atraso do diagnóstico e a ausência de tratamento de quem precisa.

Por tudo isso, é importante esclarecer cabalmente — a depressão é uma doença, não é um estado de espírito. Entre os seus sintomas encontramos a tristeza, a falta de prazer ou a falta de energia, mas não como aquelas que todos nós sentimos por vezes, em momentos que o justifiquem. Na depressão, essas emoções são permanentes, mantidas e duradouras ao longo do tempo, causam sofrimento intenso e perturbação ao funcionamento do dia-a-dia, nas várias áreas da vida, desde a família ao trabalho.

Há uma descontinuidade com a maneira de ser anterior e é frequente ouvir “eu antes não era assim”. Na depressão, ao contrário do que acontece quando estamos só tristes, há uma perturbação mantida do sono, do apetite, da vida sexual e de outras esferas da nossa vida mental.

Além disso, conhecemos hoje muito mais sobre as causas da depressão do que no passado, e era bom que a cultura popular fizesse o upload desde conhecimento para a cloud da cultura geral o quanto antes — porque os mitos sobre a depressão estão a demorar a cair.

Ideias como “a depressão é para os fracos”, “só deprime quem não tem o que fazer”, “ele é dado a depressões, por isso é melhor não o contratarmos”, “os medicamentos só servem para drunfar e não resolvem nada”, ou “se é para conversar prefiro ir ao café com os amigos do que ao psicólogo” são tão descabidas e pouco fundamentadas, que me espanta serem ainda tão difundidas.

A depressão é uma doença objetiva e as suas causas são cada vez mais bem conhecidas. Há os fatores de stress psicológico, claro, mas eles interagem com fatores de ordem biológica, genéticos e não só — e é do seu conjunto que surge a depressão.

Nessa altura, o cérebro deixa de funcionar bem, mas pouca a gente sabe, por exemplo, que a depressão não tratada causa atrofia de certas regiões do cérebro. Também não é do conhecimento geral que ter depressão aumenta o risco de doenças médicas e agrava o prognóstico das mesmas — por exemplo, doenças auto-imunes ou doenças cardiovasculares.

No entanto, toda esta informação é fundamental para compreender a importância da depressão, do seu diagnóstico precoce e do seu tratamento. Esse tratamento, que em primeira linha consiste em medicação e/ou psicoterapia, é, ao contrário do que afirma muita desinformação circulante, muito eficaz e com poucos efeitos adversos (outro dos preconceitos muito desatualizados da cultura geral).

E é muito importante que quem precisa do tratamento tenha acesso a ele, sem obstáculos de qualquer ordem, sobretudo se esse obstáculo for o estigma. Porque a depressão é uma doença do cérebro e de todo o corpo, não é um estado de espírito.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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