Acordo entre Israel e Líbano enfrenta dificuldades de última hora

Entendimento para definição de fronteira marítima - e exploração de gás - que há dias era dado como quase certo, sofre com potencial assinatura em plena campanha eleitoral em Israel e potenciais objecções do Hezbollah.

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O presidente do Parlamento libanês, Nabih Berri, recebendo uma carta da embaixadora Dorothy Shea com uma proposta para a definição da fronteira marítima WAEL HAMZEH/EPA

O Governo de Israel vai discutir esta quinta-feira o acordo de definição de fronteira marítima com o Líbano – um acordo histórico que vinha a ser dado como quase certo até surgirem declarações do antigo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, dizendo que se vencer as eleições de Novembro não o aplicará, por um lado, e por outro, relatos de problemas invocados pelo movimento xiita Hezbollah, da parte libanesa.

No entanto, no diário israelita Haaretz, o analista especializado em questões militares Amos Harel (co-autor de um livro sobre o conflito de 2006 entre Israel e o Hezbollah) considerava ser demasiado tarde para o Governo de Israel recuar nos últimos momentos e não assinar um acordo fortemente apoiado pelos Estados Unidos, que há dois anos tem mediado conversações indirectas, e visto como trazendo benefícios aos dois lados. Mais, o acordo traria ainda vantagens para outros países, como dizia há duas semanas o diário norte-americano The New York Times: a exploração de gás do lado israelita podia entrar no mercado interno e assim libertar uma parte que poderia ser vendida à Europa, que teme o Inverno sem fornecimento de gás da Rússia.

Daí a pressão do Presidente, Joe Biden, sobre Israel para assinar o acordo: com mais gás no mercado, os EUA “teriam mais espaço político contra a Rússia”, escreveu o director do Haaretz, Aluf Benn, defendendo a posição do Governo. Benn diz que o Governo de Yair Lapid sinalizou que aprovaria o acordo no seguimento de um pedido americano para que fosse finalmente concluído o acordo e não que se “rendeu ao Hezbollah”. O movimento xiita e os seus aliados perderam a maioria parlamentar que tinham nas eleições de Maio, mas o enfraquecimento do campo oposto e a fragmentação que daí resultou fê-lo manter estatuto e influência.

Este foi o argumento usado por Netanyahu: que a mera assinatura do acordo pode servir para o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, cantar vitória, diz Amos Harel, que não partilha esta opinião: “O acordo oferece precisamente um benefício estratégico, que é aparentemente a maior justificação para a sua assinatura. Mesmo que demore alguns anos, é suposto que a exploração de gás no campo libanês de Qana dê ao governo de Beirute e ao Hezbollah um incentivo para manter a paz, na esperança de gerar algum alívio económico”, argumentou. “Esta é a questão principal.”

Harel diz ainda que depois de no fim-de-semana o Governo de Israel ter indicado a sua potencial concordância, e do lado libanês os sinais serem promissores, há um perigo de se voltar atrás agora. “Israel tem vantagens em assinar o acordo, enquanto se evitar assiná-lo à última hora, ou renegá-lo após as eleições, pode aumentar o perigo de conflito com o Hezbollah – que também já investiu, tal como Israel, muito na sua aprovação.”

O analista desvaloriza assim a ameaça de Netanyahu não cumprir o acordo se for eleito – a sondagem mais recente dava 60 deputados ao bloco de Netanyahu, a um lugar apenas da maioria, enquanto o bloco do governo teria 54 deputados, o que aumenta o temor de um novo impasse (Israel teve três eleições em 2019 e 2020, a de 2021 deu origem a um governo sem Netanyahu).

“Apesar da sua retórica enquanto primeiro-ministro, [Netanyahu] sempre foi muito cuidadoso ao longo dos anos com acções que pudessem irritar Nasrallah.”

Lapid respondeu a Netanyahu no Twitter, acusando-o de “durante dez anos” não ter conseguido concretizar este acordo e apelando a que o antigo governante parasse de “prejudicar o interesse de segurança de Israel e ajudar o Hezbollah com mensagens irresponsáveis”.

Perante relatos na imprensa libanesa de objecções do Hezbollah a mais do que pormenores do acordo, um responsável do Governo israelita disse sob anonimato à agência Reuters que se o lado libanês quiser mudanças de maior dimensão do que “coisas técnicas, pequenas”, o executivo de Israel poderá não responder já na quinta-feira.

Israel e o Líbano estão tecnicamente em guerra desde 1948, e embora não haja uma fronteira acordada, existe a chamada “Linha Azul”, demarcada pelas Nações Unidas depois da retirada de Israel do Sul do Líbano em 2000, e onde a organização tem uma força de manutenção de paz (a única força de manutenção de paz da ONU com presença marítima, diz a UNIFIL na sua apresentação).

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