Não aos avós sobrecarregados!

Quando os netos são omnipresentes, são os avós que acabam a zangar-se (...) e, pior do que tudo, a perder a paciência e gritar com eles, e gritar com os netos chateia e culpabiliza.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Ana,

Obrigada por não fazerem de nós pais dos vossos filhos. Nem todos têm tanta sorte.

É claro que há situações em que a vida obriga os avós a fazerem o papel de pais dos netos, e aí quase nem faz sentido chamar-lhes avós. Mas, depois, há as outras. As situações em que os pais depositam as crianças demasiado tempo nas mãos dos avós, passando-lhes uma responsabilidade diária, com horários rígidos para cumprir, a que se somam fins-de-semana sobre fins-de-semana, com o pretexto de que eles “até lhes fazem companhia”. Ainda por cima, muitas vezes, esta carga adicional não é de um ou dois netos, mas de mais, sobretudo quando há primos, e os avós tentam tratar todos com alguma equidade.

Repara, não é só a questão do natural cansaço que está em jogo, embora seja um factor importante aos 60, 70 ou até 80 anos. Nem de nem lhes deixarem tempo para uma vida própria. Mas por lhes roubarem a possibilidade de serem “avós-bons-da-fita”, a quem cabe mais mimar do que educar, mais baralhar regras, do que impô-las.

Quando os netos são omnipresentes, são os avós que acabam a zangar-se porque desarrumam ou não vêm para a mesa, porque respondem torto ou estão demasiado tempo nos telefones, a confirmarem que tomam banho e cortam as unhas, com as birras inerentes e, pior do que tudo, a perder a paciência e gritar com eles, e gritar com os netos chateia e culpabiliza.

Mas, Ana, o que mais me preocupa nestas situações é o desgaste da relação dos avós com os seus próprios filhos, mesmo que a olho nu passe despercebido. Muitos destes avós, no seu íntimo, e sem o confessarem a ninguém (quem é que é capaz de trair os filhos assim?), acumulam ressentimentos, porque desejavam ser poupados a ter de dizer que não — que não, não lhes apetece ficar constantemente com as crianças. E que lhes dói serem tratados como mão-de-obra barata.

Desconfio que constatam que não educaram os filhos tão bem como imaginavam, e isso, magoa-os — talvez até explique porque preferem tantas vezes atirar as culpas para as noras e os genros.


Querida Mãe,

Na verdade, acho que os avós ganharam e merecem o direito a serem Avós, ou seja, a desfrutar de uma criança e de lhe mostrar o mundo, sem a pressão que os pais têm. Sem terem de ser os maus da fita. E é disso mesmo que os netos precisam, são esses avós mais livres que eles adoram.

Sei que há situações em que isto é impossível porque os avós passam tanto tempo com os netos que lá se vai a magia. Estou, também, absolutamente consciente de que milhares de avós estão a ajudar “demasiado” uma geração de pais que não conseguia orientar-se sem o seu apoio, quer económico, quer em termos disponibilidade, mas não podemos perder de vista este direito. Temos de fazer tudo para o preservar.

Mas, mãe, deixe-me falar-lhe do outro lado da moeda. Esta dependência, que ambas as partes preferiam que não existisse, cria situações muito complicadas, porque alguns destes avós, que contribuem financeiramente ou com muito do seu tempo, sentem-se depois no direito de intervir e opinar muito mais, o que aumenta o desconforto e as probabilidades de conflito. Por seu lado, os próprios pais sentem-se constantemente em “dívida”, o que lhes retira alguma autoconfiança e autoridade para se imporem como pais, o que está longe de ser uma coisa boa.

A minha recomendação é que os avós tentem mesmo não dar mais do que aquilo que sentem que vão ser tentados a cobrar. Mais vale dizer que não, do que dizer que sim a tudo, mas, muito humanamente, começar uma contabilidade interna que nunca vai ser de contas certas. Por seu lado, os pais devem ser ultra cuidadosos na carga que lhes impõem, sem esquecer que qualquer pedido começa com “um se faz favor”, e acaba sempre com um “obrigada”. E que não vale chantagens emocionais.

Beijinhos e obrigada!


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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