Competência internacional dos tribunais portugueses no inventário

Acontece, cada vez mais frequentemente, que uma pessoa, à data da sua morte, tem residência num país do qual não é nacional, aí tendo bens e, não raras vezes, herdeiros podendo, ou não, ter bens no país de que é nacional.

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Nelson Garrido/Arquivo

Atualmente é vulgar que as famílias tenham conexões internacionais, existindo familiares espalhados pelo mundo que, por força das situações de vida, fixam residência e adquirem bens em diferentes Estados.

Acontece, cada vez mais frequentemente, que uma pessoa, à data da sua morte, tem residência num país do qual não é nacional, aí tendo bens e, não raras vezes, herdeiros podendo, ou não, ter bens no país de que é nacional.

Nestas situações coloca-se a questão de saber, qual o país onde deverá ser tramitado o inventário.

Imaginemos a situação de um cidadão português, falecido com última residência habitual em Espanha, aí deixando a maioria dos seus herdeiros e tendo bens em Portugal. Nesta situação, os tribunais portugueses terão competência para tramitar o inventário? Ou deverão ser os tribunais espanhóis a fazê-lo por ser o país do falecimento e onde residem os herdeiros?

A competência internacional traduz-se no poder jurisdicional atribuído aos tribunais portugueses, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar ações que tenham elementos de conexão mais do que uma ordem jurídica e permite que o tribunal português conheça e decida do mérito da causa.

Numa situação como a do exemplo acima referido em que a residência habitual do falecido — e da maioria dos herdeiros — é em Espanha, estando os bens em Portugal e sendo o falecido português, temos um conflito plurilocalizado que obriga a que se determine qual o tribunal internacionalmente competente.

Recorrendo ao Código de Processo Civil, verifica-se que o artigo 59.º, determina que: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.”

Há pois que, antes de mais, determinar a existência de tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses pois, neste caso, prevalecerão sobre o Direito interno.

Reportando-se o exemplo escolhido à determinação da competência internacional numa situação de Inventário há que recorrer ao Regulamento (UE) nº 650/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, o qual é aplicável à sucessão de pessoas falecidas a partir do dia 17 de agosto de 2015, inclusive.

A regra geral do Regulamento para determinação da competência internacional dos órgãos jurisdicionais, estabelecida no seu artigo 4º, é a da residência habitual do falecido, à data do óbito o que, no exemplo do presente texto significa que a competência internacional pertence aos tribunais espanhóis, sendo os tribunais portugueses incompetentes para conhecer e decidir sobre o inventário.

Existem, no Regulamento, algumas as exceções ao critério da residência habitual, como por exemplo a situação em que a pessoa falecida tenha escolhido a lei da nacionalidade para regular toda a sua sucessão, por declaração que revista a forma de uma disposição por morte ou resulte dos termos dessa disposição (artigo 22.º do Regulamento).

Contudo, a verdade é que, as exceções previstas à regra da residência habitual são escassas e de malha muito apertada pelo que, não havendo escolha de lei aplicável, a regra será a de que a competência internacional para conhecer e decidir da sucessão de uma pessoa pertencerá aos tribunais do Estado de residência habitual do autor da sucessão, ainda que os bens se situem noutro Estado e que a sua nacionalidade seja outra.

Assim, importa ter conhecimento da existência deste Regulamento e da consequência da aplicação do mesmo em situações em que não haja escolha de lei, para que se tenha consciência de que ao efetuar uma mudança de residência habitual para um país de que não se é nacional está-se, implicitamente, a aceitar que o estatuto pessoal em matéria sucessória seguirá o regime do país da residência.

As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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