Ideologia e Saúde

Eu tenho uma ideologia que defendo desde os meus 18 anos e por isso custa-me a aceitar a figura de uma direção executiva do SNS.

Preconceito ideológico é o novo eufemismo da direita sempre com o intuito de esconder os verdadeiros objetivos: impor a sua ideologia. Os nomes foram mudando, consoante os tempos. Já foram chamados de técnicos e apolíticos e sobre esta cobertura serviram durante a ditadura.

A ideia ficou e mesmo hoje afirma-se: “Tu aqui só deves dar o teu parecer técnico, a decisão política compete ao ministro.” Isto diz-se e repete-se nas direcções-gerais e noutros departamentos de Estado. Como se um parecer técnico, que a maioria das vezes mexe com a vida das populações, não tivesse conteúdo político.

Assim os detratores do SNS, ou melhor, os falsos amigos do SNS, aproveitando a vacatura no Ministério da Saúde, voltam ao ataque. Esta Lei de Bases está cheia de “preconceitos ideológicos”, deveríamos deixar tudo como estava com a obrigatoriedade de apoiar os hospitais privados. Aqui tiveram uma derrota, ganhou a ideologia.

Por isso agora agarram-se ao Estatuto do SNS. O SNS já não responde aos desafios do século XXI, então é preciso reformá-lo o que eufemisticamente quer dizer privatizá-lo. A Iniciativa Liberal, o PSD, a SEDES e até o Presidente da República defendem uma gestão autónoma do SNS independente do poder político.

É a ideia de um CEO técnico, asséptico e apolítico, e sobretudo sem “preconceitos ideológicos”, como acontece no National Health Service (NHS), com a nomeação da maioria destes, senão a totalidade, ligados aos grandes grupos privados o que tem facilitado a privatização de vários dos seus serviços.

O NHS está a passar por um processo de reorganização que culminou com um projeto de lei de Saúde e Assistência atualmente em discussão na Câmara dos Lordes. Entre os pontos desta proposta está o facto de que o sistema poderá deixar de ser universal.

Já agora, para conhecimento dos catastrofistas, um estudo realizado no Reino Unido, publicado na revista Lancet*, que a meu conhecimento não tem preconceitos ideológicos, sobre os resultados da privatização do NHS, aponta para um aumento significativo da mortalidade.

Escreve-se na conclusão do trabalho: “(…) Desde a aprovação da Lei de Saúde e Assistência Social de 2012 na Inglaterra, as empresas com fins lucrativos estão a fornecer uma parcela crescente dos serviços do NHS. As preocupações com a qualidade do atendimento prestado por empresas com fins lucrativos parecem ser justificadas, pois os nossos achados mostram que a terceirização está associada a maiores taxas de mortalidade por causas que poderiam ser tratadas por intervenções médicas eficazes.”(tradução automática pelo Google)

Claro que não é isto que desejam aqueles que preferem outra formas, nomeadamente, “enxertar” no Ministério da Saúde um “novo esquema” da gestão executiva. Aguardemos qual será a visão do novo ministro Manuel Pizarro.

Peço imensa desculpa, mas eu tenho uma ideologia que defendo desde os meus 18 anos e por isso custa-me a aceitar a figura de uma direção executiva do SNS, independente do Ministério da Saúde, sem a possibilidade de qualquer controlo pelos cidadãos.

*Outsourcing health-care services to the private sector and treatable mortality rates in England, 2013–20: an observational study of NHS privatization in www.thelancet.com/public-health vo.7 july 2022

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