Lula da Silva e Bolsonaro defendem o seu legado na televisão, mas erram em dados sobre os seus governos

A Lupa, parceira do PÚBLICO na cobertura das eleições do Brasil, verificou algumas das principais declarações dos dois candidatos.

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Lula da Silva e Jair Bolsonaro

Faltando poucas semanas para a primeira volta das eleições no Brasil, os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), que lideram a corrida presidencial, segundo as pesquisas de intenção de voto mais recentes, foram entrevistados, respectivamente, nos canais de televisão CNN Brasil e SBT.

Lula foi o quinto candidato a participar da sabatina [entrevista] na CNN, comandada pelo jornalista William Waack, na segunda-feira (12). No programa, ele comentou sobre a anulação da condenação que o impediu de concorrer em 2018 e voltou a defender medidas tomadas durante os seus dois primeiros mandatos como Presidente, entre 2003 e 2010 — usando alguns dados distorcidos. Bolsonaro foi convidado a ser entrevistado pelo canal, mas recusou.

Bolsonaro, Presidente desde 2019, foi entrevistado pelo apresentador Ratinho, no SBT, na terça (13). O apresentador já manifestou apoio ao Presidente em diversas ocasiões recentes, inclusive durante a crise de covid-19. No programa, Bolsonaro disse que o Pix, sistema de pagamentos introduzido em 2020, foi pensado pelo seu Governo como uma forma de transferir o auxílio emergencial durante a pandemia — na verdade, o projecto já estava em desenvolvimento desde, pelo menos, 2018, antes de ele se tornar Presidente.

A Lupa, parceira do PÚBLICO na cobertura das eleições do Brasil, verificou algumas das principais declarações dos dois candidatos, que foram questionados e não responderam. Confira:

“Teve juiz da Suprema Corte que evitou que eu fosse ministro (...). E, ao mesmo tempo, essa gente depois me absolveu”

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República, em entrevista ao programa WW Especial: Presidenciáveis, da CNN, no dia 12 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Exagerado

Em 16 de Março de 2016, a ex-Presidente Dilma Rousseff (PT) nomeou Lula ministro da Casa Civil. O acto, no entanto, foi suspenso dois dias depois, em 18 de Março daquele ano, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, o magistrado alegou que houve desvio de finalidade na nomeação do ex-Presidente para o cargo. No entendimento do ministro, Dilma Rousseff nomeou Lula para que eventuais denúncias contra o petista naquela época fossem julgadas pelo STF.

Em 2021, cinco anos depois desse episódio, Mendes votou para anular as condenações de Lula — e não para absolver o político. Em Abril do ano passado, o próprio ministro afirmou que “não foi uma absolvição”. Segundo ele próprio, a decisão teve por base questões processuais e por entender que os casos não deveriam ter ficado em Curitiba.

“Quando cheguei à presidência, nosso fluxo de balança comercial era de US$ 108 bilhões [108,3 mil milhões de euros]. Deixamos com quase US$ 482 bilhões [483,7 mil milhões de euros]

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República, em entrevista ao programa WW Especial: Presidenciáveis, da CNN, no dia 12 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Exagerado

Em 2002, ano em que Lula foi eleito para o primeiro mandato, o fluxo da balança comercial no Brasil (soma do volume de exportação e de importação) era de US$ 108,3 bilhões [108,7 mil milhões de euros]. Segundo os relatórios disponíveis no Comex Stat, página que reúne informações estatísticas sobre o comércio exterior do país desde 1997, o valor de exportação no Brasil naquele ano foi de US$ 60,1 bilhões [60,3 mil milhões de euros], enquanto o de importação foi de US$ 48,2 bilhões [48,4 mil milhões de euros].

Já em 2010, último ano do petista na presidência, embora tenha mais do que triplicado, o montante chegou a US$ 383,7 bilhões [385 mil milhões de euros] — quase US$ 100 bilhões [100,3 mil milhões] a menos do que afirmou o político na entrevista. Naquele ano, o Brasil exportou US$ 200,4 bilhões [201,1 mil milhões de euros] e importou US$ 183,3 bilhões [183,9 mil milhões de euros].

Os dados citados por Lula, na verdade, correspondem ao primeiro ano de sua sucessora, a ex-Presidente Dilma Rousseff (PT). Em 2011, o fluxo da balança comercial brasileira foi de US$ 481,5 bilhões [483 mil milhões de euros] (US$ 227,9 bilhões [228,6 mil milhões de euros] em importação e US$ 253,6 [254,4 mil milhões de euros] em exportação). Ao longo do Governo Dilma, esse valor caiu. Em 2015, último ano completo da petista como Presidente, o fluxo total foi de US$ 359,9 bilhões [361,2 mil milhões de euros] (US$ 186,8 bilhões [187,5 mil milhões de euros] em exportação e US$ 173,1 bilhões [173,7 mil milhões de euros] em importação).

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Lula da Silva surge em primeiro lugar nas sondagens para as presidenciais do Brasil REUTERS/Pilar Olivares

Em 2008, nós fizemos uma Medida Provisória, chamada 432, que renegociou a dívida deles [agronegócio], praticamente US$ 75 bilhões [75,3 mil milhões de euros].

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República, em entrevista ao programa WW Especial: Presidenciáveis, da CNN, no dia 12 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Exagerado

Em 2008, o então presidente Lula enviou para o Congresso Nacional a Medida Provisória n.º 432, que tratava da renegociação da dívida rural. A proposta foi aprovada e transformada na Lei no 11.775, sancionada em Setembro de 2008. Mas, diferentemente do que afirmou o petista, o valor não era de US$ 75 bilhões, mas de reais [14,2 mil milhões de euros].

Convertido pelo câmbio de Maio de 2008 (quando US$ 1 custava R$ 1,66), o valor apresentado por Lula é de R$ 124,5 bilhões [23,6 mil milhões de euros], 66% maior do que o que realmente foi proposto pela MP.

Quando ganhei as eleições em 2002 (...), o desemprego estava 12%

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República, em entrevista ao programa WW Especial: Presidenciáveis, da CNN, no dia 12 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Verdadeiro

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego média em 2002 foi de 11,7%, percentual próximo ao citado pelo ex-Presidente. Vale ressalvar que, na época, o indicador era medido pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que estimava somente o quadro de seis regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre), excluindo do cálculo as demais regiões do país. A PME foi descontinuada em 2016 e, actualmente, o desemprego é estimado com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.

Foram gerados 20 milhões de empregos com carteira profissional assinada [durante os governos do PT]

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República, em entrevista ao programa WW Especial: Presidenciáveis, da CNN, no dia 12 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Verdadeiro

Em 2002, último ano antes da posse de Lula, o Brasil tinha 28,7 milhões de pessoas trabalhando em empregos formais, segundo a Relação Anual de Indicadores Sociais (RAIS). Já em 2015, último ano completo de Dilma no poder, esse número era de 48,1 milhões. Isso significa que foram criados, no período, 19,4 milhões de empregos.

Em 2010, último ano de Lula, esse número estava em 44,1 milhões.

O nosso Governo, via Banco Central, teve a ideia de criar o PIX

Jair Bolsonaro (PL), Presidente e candidato à reeleição, em entrevista ao programa Candidatos com o Ratinho, no SBT, em 13 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Falso

A criação de um sistema de pagamentos instantâneos, baptizado como PIX, foi resultado de um grupo de trabalho criado pelo Banco Central (BC) em 2018, durante a gestão do presidente Michel Temer (MDB). Logo, não foi uma ideia que surgiu no Governo Bolsonaro, que apenas implementou uma ferramenta que já estava em desenvolvimento. O GT-Pagamentos Instantâneos do BC foi criado pela Portaria n.º 97.909, de 3 de Maio de 2018, e teve a sua primeira reunião em 10 de Maio daquele ano.

Os arquivos disponíveis no site do grupo de trabalho mostram que, já no início, a intenção do BC era fazer algo nos moldes do PIX. “O principal objectivo do Banco Central é criar um ecossistema de pagamentos instantâneos eficiente, competitivo, seguro e inclusivo”, diz um trecho do discurso de abertura da primeira reunião do GT. “O aprimoramento da experiência e a facilidade em iniciar pagamentos são os principais benefícios dos pagamentos instantâneos para os utilizadores pagadores, o que pode ser facilmente alcançado em virtude das amplas possibilidades de diversidade e de inovação em modelos de negócio associados a esses pagamentos.”

Participaram nos encontros e discussões cerca de 130 instituições, que incluem os próprios bancos, associações representativas, instituições de pagamento, cooperativas, entidades governamentais, fintechs, consultorias e escritórios de advocacia. As características principais desse novo sistema de pagamentos foram definidas em Dezembro de 2018, quando se encerrou o trabalho do GT. No documento que detalha os requisitos básicos para o funcionamento dessa ferramenta, o BC prevê ainda um cronograma de implementação nos anos de 2019 e 2020 (pág. 5). O PIX foi lançado em 16 de Novembro de 2020.

O número de violência contra mulher diminuiu assustadoramente [durante o actual Governo]

Jair Bolsonaro (PL), Presidente e candidato à reeleição, em entrevista ao programa Candidatos com o Ratinho, no SBT, em 13 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Falso

Os casos de feminicídio e estupro contra mulheres aumentaram no Brasil no Governo de Jair Bolsonaro comparados com os dois anos anteriores ao início da sua gestão. Também foi registado crescimento dos crimes de perseguição, violência psicológica e importunação sexual em 2021.

De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2017 o número de feminicídios registados no país foi de 1075 (página 108). O total de casos subiu para 1206 em 2018, ainda na gestão de Michel Temer (MDB). Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, aumentou para 1328 registos (pág. 4). Em 2020 e 2021, foram 1354 e 1341 casos desse tipo de violência (pág. 148; anuário com informações mais actualizadas), respectivamente.

O número de estupros também cresceu, se comparado com o número de casos registados nos dois anos anteriores à gestão de Bolsonaro. Em 2017, os dados computados pelo anuário mostraram que 50.598 mulheres foram vítima de estupro ou tentativa de estupro. Em 2018, foram 53.726 (pág. 114). Já em 2019, primeiro ano do atual Governo, os casos cresceram para 61.531 (pág. 9). Embora em 2020, ano da pandemia, esses registos tenham caído para 54.116, em 2021 o número de vítimas mulheres voltou a subir para 56.098 (pág. 9) — no ano passado, uma mulher foi estuprada, em média, a cada dez minutos no Brasil.

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Bolsonaro, actual Presidente do Brasil REUTERS/Kevin Lamarque

No último ano, também foi registrado aumento nos casos de importunação sexual — tipificada como crime somente em 2018 (Lei n.º 13.718/2018). Em 2019, foram 13.576 casos (pág. 109). O total aumentou para 16.190 em 2020 e chegou a 19.209 em 2021 (pág. 182), segundo dados actualizados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A última edição do anuário também mostra que, em 2021, houve aumento de casos de crimes de perseguição (stalking) e violência psicológica contra mulheres (pág. 183).

[Com o Auxílio Emergencial], só em 2020 pagamos o equivalente a 15 anos de Bolsa Família

Jair Bolsonaro (PL), Presidente e candidato à reeleição, em entrevista ao programa Candidatos com o Ratinho, no SBT, em 13 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Exagerado

O Governo federal gastou R$ 293,3 bilhões [55,6 mil milhões de euros] com benefícios do Auxílio Emergencial em 2020, de acordo com o Portal da Transparência. Já entre 2013 a 2020 foram gastos, em média, R$ 28,9 bilhões por ano com o Bolsa Família. Isso significa que, desconsiderando a correcção monetária, o valor gasto para pagar o Auxílio Emergencial em 2020 equivale a cerca de dez anos de pagamentos do Bolsa Família — e não 15 anos.

Para que os pagamentos do Auxílio Emergencial equivalessem aos 15 anos de pagamentos Bolsa Família citados por Bolsonaro, o Governo precisaria ter repassado 47,8% a mais — totalizando R$ 433,5 bilhões — aos beneficiários.

Essa afirmação de Bolsonaro já foi verificada pela Lupa e classificada como exagerada em 24 de Julho.

Só em 2020 pagamos [o Auxílio Emergencial] (...) para 68 milhões de pessoas

Jair Bolsonaro (PL), Presidente e candidato à reeleição, em entrevista ao programa Candidatos com o Ratinho, no SBT, em 13 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Verdadeiro

Os dados do Portal da Transparência mostram que, em 2020, o Governo federal pagou o Auxílio Emergencial a 68,2 milhões de pessoas. Os gastos com o benefício naquele ano somaram R$ 293,3 bilhões [55,5 mil milhões de euros]. Em 2021, no entanto, o número de pessoas que receberam essa ajuda caiu 46,6%, totalizando 36,4 milhões. O valor pago também diminuiu: R$ 53,3 bilhões [10 mil milhões de euros].

O desemprego está em queda

Jair Bolsonaro (PL), Presidente e candidato à reeleição, em entrevista ao programa Candidatos com o Ratinho, no SBT, em 13 de Setembro de 2022

Avaliação da Lupa: Verdadeiro

Os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam para a redução do desemprego no trimestre encerrado em Julho. A taxa atingiu 9,1%, o que representa uma queda de 1,4 ponto percentual na comparação com o trimestre anterior.

O contingente de pessoas ocupadas no país chegou a 98,7 milhões — o recorde da série histórica, iniciada em 2012.


Este trabalho resulta de uma parceria entre o PÚBLICO e a Agência Lupa.

Autores: Bruno Nomura, Catiane Pereira, Carol Macário, Iara Diniz e Róbson Martins​

Conversões de moeda para euros à data de publicação deste artigo.

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