Para sobreviver, Lula torna-se ministro

Ex-Presidente brasileiro vai ser ministro da Casa Civil do Governo de Dilma Rousseff.

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Lula da Silva regressa ao governo do Brasil DOUGLAS MAGNO/AFP

Afinal, não vai ser preciso esperar até 2018 pelo regresso de Lula da Silva ao governo brasileiro. O ex-Presidente e candidato putativo às próximas eleições aceitou esta quarta-feira integrar o governo de Dilma Rousseff e vai assumir o cargo de ministro da Casa Civil, o segundo posto mais importante no Palácio do Planalto, equivalente a um primeiro-ministro. O Palácio do Planalto confirmou a nomeação de Lula através de um comunicado ao início da tarde, pondo fim a semanas de especulação e expectativa. Dilma pronunciou-se a meio da tarde em Brasília, numa conferência de imprensa em que apareceu sozinha. “Vai ser um grande ganho para o meu governo. Estou muito feliz com a vinda dele”, disse.

A ideia de Lula assumir um cargo no governo da sua sucessora e afilhada política surgiu depois de o ex-Presidente ser alvo de um mandado de busca e apreensão pela Polícia Federal e ter sido levado para depor numa investigação da Operação Lava Jato, que desde 2014 tem vindo a desmontar o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, envolvendo a companhia estatal Petrobras, as principais construtoras do país e políticos de diferentes partidos. Lula está a ser investigado por suspeitas de ter favorecido algumas construtoras envolvidas no escândalo da Petrobras e ter sido premiado com “prendas” provenientes do esquema de corrupção, em particular uma quinta e um apartamento de luxo no estado de S. Paulo. O ex-Presidente nega que os dois imóveis lhe pertençam e diz-se vítima de perseguição política.

Ao tornar-se ministro do governo, Lula passa a dispor de imunidade (conhecida no Brasil como “foro privilegiado”) e não poderá ser investigado e julgado por Sérgio Moro, o juiz que está à frente da Operação Lava Jato; o único órgão competente para o fazer passa a ser o Supremo Tribunal Federal, que ainda terá de decidir se vai conduzir uma investigação.

A entrada de Lula no governo de Dilma – seis anos depois de ter terminado o seu segundo mandato como o Presidente mais popular de todos os tempos – corre o risco de ser visto como uma estratégia de sobrevivência pessoal numa altura em que a sua credibilidade pública já está bastante debilitada pela percepção de que a corrupção prosperou como nunca sob a sua liderança e de que ele não só não fez nada para impedi-lo como também esteve directamente envolvido. O anúncio da sua ida para o governo acontece apenas três dias depois de manifestações em todo o país, em que três milhões de brasileiros foram para as ruas pedir o impeachment (destituição) de Dilma e a prisão de Lula.

Membros da oposição no Congresso anunciaram que vão tentar anular a nomeação de Lula juridicamente por considerarem que ela equivale a uma obstrução à justiça, uma vez que a sua finalidade é livrar o ex-Presidente da alçada de Sérgio Moro. “É uma confissão de culpa e uma bofetada na cara da sociedade. A Presidente Dilma, ao convidá-lo, torna-se cúmplice dele”, criticou o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antonio Imbassahy.

Também do PSDB, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Lula, reagiu dizendo que acha “escandaloso uma pessoa ser ministro num momento em que pode virar réu num processo”. “Fica muito esquisito. Aumenta a crise moral”, afirmou, enquanto falava numa palestra em S. Paulo, defendendo que “a sociedade precisa reagir energicamente contra”. Numa referência a Lula, um ex-torneiro mecânico sem formação universitária, Fernando Henrique comentou que não se pode “dirigir esse país sendo analfabeto”, ressuscitando um preconceito antigo em relação ao ex-Presidente.

Dilma defende Lula

Lula – que, por enquanto, não foi constituído arguido nem condenado – fará tudo para afastar a tese de que só entrou no governo para salvar a pele. Para isso, segundo a Folha de S. Paulo, uma das condições que terá imposto para aceitar o cargo foi autonomia para introduzir novas políticas económicas com o objectivo de estimular o crescimento e sair da crise profunda que o país atravessa. Ao confirmar a nomeação de Lula, Dilma afirmou que ele tem “um compromisso com a estabilidade fiscal e com controlo da inflação”.

A Presidente brasileira fez uma defesa veemente de Lula, desmentindo as acusações de que ele estará a fugir da justiça. “O Presidente Lula não age dessa forma”, disse. Ter “foro privilegiado” não impede a investigação, apenas significa que ela é feita “em determinada instância” – neste caso, o tribunal supremo do país – “e não em outra”. “A troco de quê eu vou achar que a instância de Sérgio Moro é melhor que a do Supremo Tribunal Federal?”, sugeriu.

Lula também terá a missão de “blindar” Dilma, fragilizada por um processo de impeachment que será decidido através de votação num Congresso dominado em grande parte por uma oposição rebelde e muito activa. O ex-Presidente é um hábil articulador político, a quem caberá negociar com a base aliada – nomeadamente, o PMDB, que pertence à coligação governamental, mas que em parte já se desarticulou –  de forma a alargar o apoio do governo no Congresso e reunir o voto de 173 dos 512 deputados para evitar o impeachment. Resta saber se a entrada em cena de Lula conseguirá destravar o impasse político ou agravá-lo ainda mais.

Há muito que Lula é visto como uma espécie de chefe-sombra do governo, uma autoridade nos bastidores sem pudor de interferir ou emitir opiniões sobre a condução de Dilma. O facto de passar a ocupar um gabinete no Palácio do Planalto – no quarto andar, por cima do gabinete de Dilma – poderá resultar no esvaziamento do poder da Presidente. Um possível efeito colateral, como apontava esta quarta-feira a Globonews, é o pólo gravitacional no palácio do governo passar a ser o quarto andar – e não o terceiro, onde Dilma se encontra. Um senador da oposição, Álvaro Dias, foi ao ponto de dizer que Lula começa agora o seu terceiro mandato presidencial e que o segundo mandato de Dilma chegou ao fim.

Na sua conferência de imprensa, Dilma riu perante esse cenário. “Tem seis anos que vocês tentam separar-me de Lula. A minha relação com Lula não é uma relação de poderes ou superpoderes. É uma relação sólida de quem constrói um projecto junto. O Presidente Lula, no meu governo, terá os poderes necessários para ajudar o Brasil.”

O anúncio da nomeação de Lula estava previsto para terça-feira, segundo os jornais brasileiros, mas os planos foram alterados com a homologação, pelo Supremo Tribunal Federal, das revelações feitas pelo senador do Partido dos Trabalhadores (PT), Delcídio do Amaral, aos investigadores da Lava Jato, em que denuncia Dilma e Lula. Segundo o senador, Lula tentou comprar o silêncio de testemunhas que poderiam comprometê-lo nos escândalos do Mensalão e da Petrobras, além de ser responsável pela nomeação de directores da petrolífera que foram condenados na Lava Jato. Delcídio do Amaral também disse que Dilma tentou interferir nas investigações da Lava Jato em três ocasiões e que, enquanto presidente do conselho de administração da Petrobras, sabia de antemão que a compra de uma refinaria no Texas seria prejudicial para a petrolífera brasileira.

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