Envelhecimento dos médicos: uma bomba-relógio

As soluções terão de passar desde logo pela capacidade de formar: os números são insuficientes na base da pirâmide etária para acautelar a substituição geracional.

Os números são públicos e o drama é claro: o envelhecimento dos médicos em Portugal é uma bomba-relógio para o sistema de saúde. 25,5% dos médicos tem mais de 65 anos, quase 50% tem mais 50 anos. Não há médicos de saúde de clínica geral e familiar para atribuir e garantir uma solução de um médico assistente para cada família. O número sempre afirmado de que Portugal tem mais médicos per capita do que a média europeia é apenas parcialmente verdade: com 25,5% dos médicos com mais de 65 anos é razoável supor que o ritmo de trabalho será menor. É necessário começar a pensar em novas soluções organizativas de organização da prestação de cuidados.

Há obviamente um envelhecimento na força de trabalho médica. Os números estão consultáveis via Ordem dos Médicos. Importa fazer uma análise aprimorada por especialidades, e ter em consideração especialidades que serão crescentemente necessárias no futuro. Ainda assim há alguns resultados óbvios: há 42% dos médicos de saúde pública têm mais de 65 anos; dois terços dos médicos de saúde pública têm mais de 55. Há outras variáveis como a distribuição geográfica que têm de ser consideradas, sabe-se por exemplo que a oferta médica na região de Lisboa está muito abaixo do mínimo aceitável. Temos falta de médicos. E pior, teremos uma falta maior no futuro próximo.

Pergunto: isto não é de conhecimento dos decisores? Nem motivo de preocupação? Nem de ação?

Da análise de dados, percebe-se perfeitamente que há um corte geracional. Retomemos o exemplo de medicina geral e familiar: 1000 médicos até aos 35 anos. E recordemos o milhão e meio de pessoas sem médico de família.

As soluções terão de passar desde logo pela capacidade de formar: os números são insuficientes na base da pirâmide etária para acautelar a substituição geracional. Com ela a necessidade de ampliar a capacidade de formação de especialistas e a entrada efetiva na profissão. Mas não para por aqui. Encarar de frente a homologação de cursos de outros países e algo mais amplo do que a área de Saúde: ter um país viável que seja atrativo também para os profissionais de saúde. Se os profissionais tiverem condições de trabalho será um desincentivo a emigração e, inclusivamente, um incentivo ao regresso. O conjunto de soluções tem de concorrer para a resolução, mas não há dúvida: tem de haver um plano a sério e multidimensional para lidar com este tema. Arrumado o tempo da troika, da covid, e passados dez anos sobre o início das USF será necessário pensar em modelos de contratualização e organização dos trabalhos clínicos.

Claro que muitos discordarão, acenarão com bichos papões sobre a qualidade que é preciso assegurar (como se não fosse possível aumentar a oferta com critérios de qualidade) e lutas corporativistas, mas os números não mentem. Fechar os olhos agudizará o problema.

Em semana de aniversário do SNS, um grito de alerta: o envelhecimento dos médicos em Portugal é uma bomba-relógio para o futuro da Saúde. Também aqui vamos a tempo, mas requer vontade, coragem e energia.

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