Suspeito de tentar matar vice-presidente argentina nega-se a depor

O homem está a ser investigado por tentativa de homicídio. As autoridades continuam com as perícias na pistola para determinar o motivo pelo qual a arma não disparou apesar de o gatilho ter sido accionado duas vezes.

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O suspeito de tentar matar Cristina Kirchner foi detido pelas autoridades Reuters/MATIAS BAGLIETTO

O suspeito que tentou assassinar Cristina Kirchner negou-se a depor perante a Justiça, que procura avançar em cinco linhas principais de investigação, incluindo a passividade dos seguranças responsáveis pela protecção da vice-presidente, informou o Ministério Público.

Para garantir a segurança do detido, a juíza Eugenia Capuchetti e o procurador Carlos Rívolo deslocaram-se até à dependência policial em vez de conduzirem o acusado até o tribunal. No entanto, este negou-se a depor no processo em que é investigado por tentativa de homicídio.

A juíza e o procurador decidiram interrogá-lo depois dos testes psicológicos indicarem que o homem estava em condições de depor, evitando que a defesa alegasse alguma irregularidade na obtenção de provas.

Paralelamente, a Polícia Científica continua com as perícias na pistola Bersa calibre 380 para determinar o motivo pelo qual a arma não disparou, apesar de o gatilho ter sido accionado duas vezes. Segundo a Polícia Federal, a arma estava apta para disparar e os projécteis eram reais. A pistola terá sido roubada de um amigo do atacante, já que o suspeito não aparece nos registos da Agência Nacional de Materiais Controlados.

São cinco as principais linhas da investigação judicial sobre o frustrado atentado contra a vice-presidente e ex-Presidente Cristina Kirchner. Por que razão a arma não disparou apesar de o gatilho ter sido accionado? O agressor agiu sozinho ou tinha conexões locais ou internacionais? O atacante goza plenamente das suas faculdades mentais? A arma e o calibre eram adequados para um atentado? E por que motivo os seguranças responsáveis pela protecção de Cristina Kirchner não agiram conforme o protocolo numa aparente atitude negligente?

A pistola tinha cinco projécteis no carregador, mas nenhum na câmara antes do disparo. Esse movimento manual de engatilhar é crucial para o tiro depois de municiar a arma. É um passo básico que qualquer atirador conhece.

A Polícia está a monitorizar as câmaras de segurança da área do ataque e o telemóvel do atacante para saber se agiu sozinho, se havia acompanhantes durante o atentado e se o acusado tem conexões dentro ou fora da Argentina.

No seu apartamento, foram encontradas duas caixas com 50 projécteis de nove milímetros cada, mas a compra das munições não está registada porque o suspeito não tem permissão para o uso de armas. A Justiça também investiga possíveis vínculos com organizações que promovem discursos de ódio e discriminação pelas redes sociais.

A perícia indicou que o acusado tem noção do tempo e do espaço, mas no apartamento foi encontrado um certificado de deficiência que, por enquanto, parece ser falso. Alguns especialistas estão a analisar as suas publicações nas redes sociais e a sua forma de se relacionar socialmente.

A arma usada no atentado é pequena e leve, com um calibre menos potente, requerendo um disparo à queima-roupa para ser letal.

Uma das principais incógnitas sobre a noite do atentado é o comportamento dos agentes de segurança, responsáveis pela protecção da vice-presidente. Não seguiram os procedimentos para evitar que alguém armado se aproximasse da vítima e não agiram conforme o protocolo de segurança em casos de atentado.

Pelas imagens, é possível ver como o homem estica o braço esquerdo e deixa a pistola a poucos centímetros do rosto de Cristina Kirchner. São os militantes os que o cercam e imobilizam o atacante, conduzindo-o à força às forças de segurança.

Os seguranças, agentes da Política Federal, não retiraram Cristina Kirchner da cena do frustrado crime. Pelo contrário, a vice-presidente continua a dar autógrafos, a tirar selfies e a saudar os apoiantes por mais cinco minutos e 45 segundos depois do ataque, como se nada tivesse acontecido.

Nesta sexta-feira, mesmo depois do ataque na noite anterior, Cristina Kirchner saiu do seu apartamento e voltou a aproximar-se dos apoiantes que a aguardavam, numa nova atitude imprudente por parte da vice-presidente e negligente por parte da segurança.

Milhares marcham contra discurso de ódio à vice-presidente

Milhares de manifestantes de organizações políticas, sociais e sindicais, todas aliadas do Governo, marcharam por todo o país em solidariedade com Cristina Kirchner e contra o discurso de ódio, que responsabilizam pelo atentado à vice-presidente.

​Segundo os militantes, que se concentram há 12 dias em frente ao edifício onde vive Kirchner, a governante está a ser perseguida desde o dia 22 de Agosto, altura em que o Ministério Público pediu 12 anos de prisão por crimes de corrupção e fraude ao Estado.

“A culpa de tudo isso é dos meios de comunicação que propagam o ódio da oposição contra Cristina. E agora a Justiça que responde a esses interesses económicos quer prendê-la sem nenhuma prova. É preciso pôr um fim nessa perseguição”, afirmou Norma Anselmi, de 52 anos, funcionária pública e militante do denominado “kirchnerismo”, a ala mais radical do Peronismo de Cristina Kirchner e do Presidente, Alberto Fernández.

As manifestações, com epicentro na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do Governo, apontam directamente contra a imprensa, contra a oposição e contra a Justiça que investiga a governante por corrupção. Para o Governo, esses três grupos perseguem a actual vice-presidente, destilando um discurso de ódio que deriva em tentativas de agressões como a frustrada tentativa de magnicídio.

“Como não podem ganhar nas urnas, querem acabar com Cristina Kirchner, levando-a à prisão sem provas. Precisamos defender a democracia”, reforça Norberto Amaya, de 47 anos, enquanto marcha em direcção à Praça de Maio, envolvido por uma bandeira argentina.

O Presidente decretou feriado nacional para incentivar a mobilização social “e, defesa da democracia, contra o discurso de ódio e em solidariedade com Cristina Kirchner”, após o frustrado atentado alegadamente cometido por um brasileiro de 35 anos, radicado em Buenos Aires desde a infância.

“O Presidente analisou o estado de comoção social derivado da tentativa de assassínio (...) e convoca os sectores sindicais, sociais, empresariais e religiosos a construírem um amplo consenso contra os discursos de ódio e de violência”, afirmou a nota oficial da Casa Rosada.

Alberto Fernández atribuiu o atentado “ao discurso de ódio que tem sido espalhado a partir de espaços políticos, judiciais e mediáticos”.

Militantes apoiam a Cristina Kirchner EPA/Juan Ignacio Roncoroni
EPA/Juan Ignacio Roncoroni
Militantes apoiam a Cristina Kirchner EPA/Juan Ignacio Roncoroni
Militantes apoiam a Cristina Kirchner EPA/Juan Ignacio Roncoroni
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Militantes apoiam a Cristina Kirchner EPA/Juan Ignacio Roncoroni

“Quando o Presidente diz isso, está a culpar a oposição pelo que aconteceu. Junto com o discurso de vitimização de Cristina Kirchner, aparecem as condenações e os culpados: a imprensa que dá voz aos opositores e à Justiça que investiga Cristina Kirchner. O Presidente entende que as investigações da Justiça afectam a paz social e pretende a impunidade”, avalia o filósofo e analista político Santiago Kovadloff, uma referência no país.

“É o uso político de um facto repudiável. O Governo procura uma rentabilidade política ao aprofundar a polarização e a martirização da vice-presidente”, aponta Kovadloff.

“Há vários anos, um sector minúsculo da política e os seus meios de comunicação partidários têm repetido um discurso de ódio, de negação ao outro, de estigmatização, de criminalização de qualquer dirigente popular ou afim ao Peronismo”, acusou a actriz Alejandra Darín ao ler um texto no palco central do protesto na Praça de Maio. “Fazemos este apelo à unidade nacional, mas não a qualquer preço: o ódio fica de fora”, convocou Darín.

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