Quo Vadis?

Durante este período a cultura russa foi amplamente penalizada, houve o cancelamento de espetáculos russos cuja apresentação estava programada na Europa tal como o cancelamento das residências artísticas e intercâmbios cuja participação incluía artistas russos.

No séc. XVII, período do Iluminismo, o conceito de cultura europeia encontrou pela primeira vez o seu espaço. Uma época em que intelectuais, artistas começaram a viajar pela Europa e partilhar as suas obras, em espaços como tertúlias e residências artísticas. Este intercâmbio criou um sentimento de união, a arte emociona e a emoção dá-nos alento para lutar pelos valores humanos.

O conceito do iluminismo Europeu foi reintroduzido na formalização do novo partido político Renascença no discurso de Emmanuel Macron antes da sua reeleição em resposta ao crescimento da extrema-direita francesa : “ser fiel à vontade do Presidente”, que é “sempre fazer a escolha do Iluminismo contra o obscurantismo” e ser “fiel ao que fazemos na cena europeia”.

O período bélico em que vivemos, com o investimento em maior armamento e a possibilidade da criação de um exército europeu, em resposta à crise na Ucrânia e não dando espaço para outro tipo de opções, substitui o Iluminismo Europeu presente nos valores europeus.

O “soft power” cultural é utilizado como um símbolo de prestígio para um país, sem a cultura o país não tem alma, e sem alma não há motivação para lutar pelos valores dos mesmos. Levanta-me a questão em relação se ainda existe, depois deste conflito entre a Europa e a Rússia, espaço para que a cultura (parte integrante do Iluminismo) volte a ser instrumento de diálogo “soft power”, de paz, união e convergência política e diplomática entre estes dois estados.

A “banalidade do mal” apresentado por Hanna Arendt e no qual eu identifico as a atrocidade desta guerra, é segundo Julia Kristeva combatido através da diversidade e interculturalidade criada pelos festivais e pelas residências artísticas dentro das sociedade e acrescento que a diplomacia Europeia deverá ser mais ambiciosa após este conflito e a transformar-se na luz iluminista ao investir mais no seus valores culturais como instrumento de paz e harmonia, liberdade, solidariedade, igualdade e humanismo.

Durante este período a cultura russa foi amplamente penalizada, houve o cancelamento de espetáculos russos cuja apresentação estava programada na Europa tal como o cancelamento das residências artísticas e intercâmbios cuja participação incluía artistas russos. Em vez de transformar esta linha de comunicação numa Esfera Teatral Europeia que consiste num espaço cultural reflexivo, de debate e tomadas de decisão sobre o futuro da Europa com características teatrais, decidiu-se enveredar pelo caminho mais imediato de cancelamento. O teatro grego foi utilizado como um instrumento reflexivo da sociedade, nomeadamente da polis.

O dramaturgo alemão Berthold Brecht reinterpretou o conceito aristotélico do teatro, que comparava a comédia com a tragédia, ao declarar que o pathos (destino) fosse a criação de um espaço em comum entre os actores e o público: ao se reencarnar a polis actores e público transformam a realidade.

Segundo o maestro português Pedro Amaral que fechou o Festival de Milão com o concerto em La Scala com a 15.ª Sinfonia de Shostakovich, não houve qualquer pressão para a sua não realização antes pelo contrário transformou-se num espetáculo dedicado “à paz e aos valores democráticos” e acrescenta que este concerto também é um statement “num momento em que assistimos a atos de censura da cultura russa, incluindo monumentos universais como Dostoiévski e Tchaikovsky, este concerto é uma afirmação da arte num plano irredutível ao das decisões políticas circunstanciais.

A inequívoca condenação da guerra e do agressor não pode jamais levar a música e a literatura numa avalanche cega que nos amputa a todos daquela que é parte da cultura universal. É deixar-nos a todos mais pobres.

Perdeu-se, a meu ver, uma oportunidade de ouro de utilizar o iluminismo Europeu no desenvolvimento de uma linguagem política de paz e de diplomacia com os artistas russos e também como uma resposta conjunta contra os regimes opressivos e totalitários. Haverá uma maior urgência de recriar estes laços fora das fronteiras da Europa, nomeadamente com a Rússia para relançar a economia, sustentabilidade e paz após a guerra entre Ucrânia e a Rússia.

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