Amazónia e floresta boreal especialmente em risco devido às alterações climáticas

Estudo observou vários modelos que analisam o risco das florestas em todo o mundo durante este século. Apesar de serem necessários mais estudos, há regiões especialmente vulneráveis, como a Amazónia e as florestas boreais. Análise contou com participação de cientista português.

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As florestas são um importante sumidouro de dióxido de carbono Nelson Garrido

Incêndios mais ferozes, alterações na distribuição de espécies, mudanças na dinâmica de absorção e de libertação de carbono, há vários factores que colocam as florestas numa situação de risco de sobrevivência face às alterações climáticas. Uma nova investigação fez uma avaliação simultânea de vários riscos a que as florestas de todo o mundo estão expostas e descobriu algumas regiões que, sistematicamente, são especialmente vulneráveis à degradação. Parte da floresta amazónica e das florestas boreais caem nessa categoria, adianta o trabalho publicado nesta quinta-feira, na revista Science.

As florestas têm um papel importante a diferentes níveis, desde a manutenção da biodiversidade até à captura de dióxido de carbono, combatendo o aumento na atmosfera deste gás com efeito de estufa. No entanto, são vários os fenómenos que ameaçam as florestas em todo o mundo, como o desmatamento, os incêndios e as alterações no clima. Por isso, é muito importante obter os melhores modelos que informem os cientistas como será a evolução daqueles biomas nas próximas décadas.

“O objectivo deste estudo foi conduzir uma análise de risco climático das florestas da Terra no século XXI usando diferentes tipos de métodos científicos e conjuntos de dados”, explica ao PÚBLICO William Anderegg, director do Centro Wilkes para a Ciência e Política Climática da Universidade do Utah (nos Estados Unidos) e líder do estudo.

Factores de risco

Segundo o investigador, há diferenças substantivas nos modelos usados para avaliar o comportamento futuro das florestas. Alguns são muito detalhados e incluem equações que traduzem processos florestais, como a captação de dióxido de carbono para a fotossíntese. Outros apoiam-se na estatística, têm em conta poucos processos florestais, mas usam uma grande quantidade de dados. Um terceiro grupo de modelos usados consegue avaliar processos específicos, como os incêndios, e usa informação obtida a partir de satélites.

Ao mesmo tempo, houve três tipos de riscos que foram analisados e sobrepostos através daqueles modelos. O primeiro foi o risco ligado ao armazenamento de carbono das florestas. Para uma árvore crescer, tem de usar dióxido de carbono da atmosfera para produzir compostos, através da fotossíntese. No entanto, quando uma árvore morre e é decomposta liberta dióxido de carbono. Ao nível de uma floresta, há um balanço entre estes dois processos. Florestas jovens estão associadas a um maior armazenamento de dióxido de carbono, enquanto as maduras aproximam-se de um equilíbrio.

No entanto, factores como a temperatura, a humidade e a concentração de dióxido de carbono, ou grandes distúrbios florestais, podem alterar a capacidade que as florestas têm de armazenar o carbono. Em alguns casos, essa mudança poderá ser tão extrema que as florestas deixam de ser sumidouros de dióxido de carbono e passam a ser fontes de dióxido de carbono, como se teme que possa acontecer a partes da floresta amazónica.

O segundo risco está associado à perda de biodiversidade. Este perigo torna-se evidente quando o regime climático que uma determinada região tem é substituído por outro. Nesse caso, as espécies de uma floresta podem ser substituídas por outras, mais adaptadas ao novo regime. Consequentemente, haverá uma perda de biodiversidade. O terceiro tipo de risco está ligado a distúrbios que podem devastar partes de uma floresta. A seca, os incêndios e as pragas de insectos são alguns dos fenómenos que podem estar na origem desse distúrbio.

Ajuda na conservação

Ao usar diversos modelos, é possível avaliar se uma determinada floresta está sujeita aos vários riscos descritos acima. Mas não só, avança William Anderegg: “A comparação de diferentes modelos e métodos de análise pode dar-nos confiança sobre os locais onde os modelos estão de acordo entre si e pode oferecer formas de melhorar os modelos.” Para fazer esse trabalho, o especialista pediu ajuda a uma mão cheia de especialistas no assunto, entre os quais Nuno Carvalhais, cientista português que trabalha no Instituto Max Planck de Biogeoquímica, em Jena, na Alemanha.

O investigador trabalha com modelos para gerar cenários sobre o futuro das florestas no contexto das alterações climáticas. “Investigo a resposta do ciclo do carbono e da água em ecossistemas terrestres a variáveis ambientais. Uso modelos numéricos e observações, medições locais e por satélite”, explica ao PÚBLICO Nuno Carvalhais, que também está associado ao Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade Nova de Lisboa. As observações feitas no campo ajudam-no a testar a qualidade dos modelos com que trabalha. Para a investigação agora publicada na Science, o cientista ajudou a desenvolver a metodologia e trabalhou na síntese dos resultados.

Uma das conclusões do trabalho foi a de que muitos dos modelos usados “não estão de acordo entre si em relação às regiões florestais com riscos mais elevados, revelando áreas importantes onde será necessário fazer-se mais ciência”, sustenta William Anderegg. Ou seja, só estudando melhor essas áreas é que se poderá compreender qual o verdadeiro risco a que estão sujeitas.

Nesse sentido, o cientista sugere temas importantes que deverão ser investigados: “O impacto do dióxido de carbono na atmosfera, como é que a demografia e a capacidade de recuperação das árvores após um distúrbio estão a ser afectadas pelas alterações climáticas e os impactos de agentes bióticos.”

No entanto, há uma segunda conclusão do trabalho. “Há algumas regiões do mundo que estão de uma forma consistente sob um risco elevado”, qualquer que seja o modelo usado para avaliar esse risco, explica o cientista. Uma dessas áreas é o Sudeste da floresta amazónica. Outra área são as florestas boreais que estão abaixo do círculo polar Árctico, tanto na América do Norte, como na Europa e na Ásia. As florestas tropicais africanas também estão sob risco, principalmente em relação ao armazenamento de carbono e aos distúrbios. Por outro lado, o Sudeste asiático e a costa Leste da América do Norte são regiões com baixo risco nos vários modelos analisados.

Que importância tem estas conclusões? “Compreender quais as áreas que estão sob risco elevado pode ajudar nos planos de conservação, na gestão das terras e nas políticas climáticas, como quais as florestas que devem ser usadas para os programas de compensação de carbono”, responde-nos William Anderegg.

Por outro lado, o trabalho torna também possível “ter uma perspectiva mais abrangente do conceito de floresta na consideração do risco”, explica Nuno Carvalhais. “Nem tudo é sobre o carbono, mas entender o carbono e a água é essencial para entender as alterações do clima. A biodiversidade é por si um valor incontornável e que também influencia a eficiência dos ecossistemas no contexto do ciclo do carbono. Os distúrbios dominam a dinâmica florestal à escala da década e, dada a sua origem e impacto extremo na floresta, são centrais à quantificação do tempo médio que o carbono permanece na floresta”, refere o investigador.

Quando os distúrbios se tornam recorrentes (como quando há incêndios todas as décadas na mesma floresta), isso reduz o período de tempo que o carbono fica acumulado, diminuindo a capacidade efectiva de uma floresta funcionar como um reservatório de carbono, exemplifica Nuno Carvalhais.

William Anderegg avisa que há limitações nos resultados apresentados, principalmente a nível regional. “É sempre possível que um estudo global possa falhar uma causa de distúrbio numa região específica”, explica, exemplificando o caso dos incêndios, uma das maiores ameaças à floresta portuguesa. “Todos estes modelos foram corridos globalmente e alguns deles não incluem especificamente os incêndios, por isso é provável que haja algumas regiões onde estes métodos subestimem o risco climático total.” Ou seja, serão necessários mais estudos para se obter um cenário mais próximo da realidade acerca do que está a acontecer às florestas.

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