Espanha aprova lei de consentimento “só sim é sim”

Silêncio deixa de poder ser usado como prova de consentimento e abuso sexual e violação deixam de ser crimes diferentes. Lei resulta da pressão após caso de violação em grupo em 2016 conhecido como “La Manada”.

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A ministra da Igualdade espanhola, Irene Montero EPA/ZIPI

O Congresso espanhol aprovou uma lei que define o consentimento, conhecida como “só sim é sim”, com 205 votos a favor, 141 contra, do Partido Popular (conservador) e do Vox (extrema-direita) a 3 abstenções. A lei precisa agora apenas da assinatura do rei e entrará em vigor nas próximas semanas, diz o diário espanhol El País.

A principal alteração na lei é que o silêncio e a passividade deixam de poder ser interpretados como sinal de consentimento. “Só se entenderá que há consentimento quando tiver sido manifestado livremente por acções que, de acordo com as circunstâncias do caso, expressem claramente a vontade da pessoa”.

“Finalmente o nosso país reconhece por lei que o consentimento é o que tem de estar no centro das nossas relações sexuais”, disse a ministra da Igualdade, Irene Montero. “Mais nenhuma mulher vai ter de mostrar que houve violência ou intimidação numa agressão para que seja considerada como agressão”, sublinhou.

A lei já tinha sido aprovada pelo Senado quando foi atrasada por uma emenda introduzida pelo partido conservador Junts per Catalunya, apoiada pelo Partido Popular.

A lei seguiu-se ao caso de violação em grupo de uma mulher de 18 anos em 2016, em Pamplona, durante o festival de touros. Os cinco homens acusados pelo ataque foram primeiro ilibados do crime de violação porque imagens que fizeram, com os seus telefones, do ataque, mostravam a vítima imóvel e de olhos fechados. O tribunal considerou que a falta de reacção era prova de consentimento, e que deviam ser apenas condenados por terem roubado o telemóvel da vítima.

Foram depois condenados a nove anos de prisão por abuso sexual, o que levou a grandes protestos, mas o Supremo considerou depois que houve violação, agravada por ser um acto vexatório para a vítima e ainda uma acção em grupo, e a pena foi aumentada para 15 anos.

A lei agora aprovada acaba ainda com a distinção entre abuso sexual e violação, que era diferenciada por existir recurso à violência e intimidação no caso da violação. Agora, basta não ter havido consentimento para se considerar que houve violação.

Pouco depois do caso de Pamplona, cinco homens foram acusados de violar uma rapariga de 14 anos na cidade de Manresa, na Catalunha, e condenados apenas por abuso sexual porque a vítima estava sob o efeito de drogas e álcool.

A nova lei considera uma agravante o facto de a vítima estar sob o efeito de drogas ou álcool.

Também na lei está estabelecido um plano para o apoio a vítimas, com os chamados centros de crise a funcionar 24 horas por dia, um em cada uma das 50 províncias do país. O Governo espera que estes 50 centros estejam abertos em 2023 – há uma verba de 66 milhões de euros de fundos europeus destinados a estes locais. “Isto vai garantir que qualquer mulher é assistida desde o primeiro momento por médicos e psicólogos, e isso oferece garantias primeiro para a vítima, e também para o processo penal”, disse a responsável pela pasta da igualdade no Partido Socialista (PSOE), Andrea Fernández, citada pelo jornal El País.

Para Férnandez, esta foi uma vitória “do movimento feminista, das mobilizações, das lutas e da reivindicação social, e isso é o mais bonito, sobretudo para todas as mulheres que estivemos na rua”.

Artigo corrigido a 26.8.2021: corrigido o nome da cidade de Manresa e o ano de abertura dos centros, 2023.

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