Duras vs. Godard: jogo de sedução

Um jogo de sedução e conquista entre dois “mastodontes” das tácticas de conversação.

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Duras e Godard: como irmãos ou como “o avesso e o direito” um do outro REUTERS/Jean-Paul Pelissier (Foto da direita)

O ano passado, nos 25 anos da morte de Marguerite Duras, estreou o mais recente filme de Claire Simon, Vous ne désirez que moi, no Festival de San Sebastián (não tendo ainda sido exibido em Portugal). O título internacional, que traduz o título do livro em que o filme se baseia, é I Want to Talk About Duras. Filme e livro trazem ao público uma longa entrevista a Yann Andréa, amante, companheiro e actor de Duras. Além da dimensão estritamente bisbilhoteira (conhecer a intimidade — sexual — do casal) o filme tem a força de sublinhar e questionar dois aspectos intrínsecos à obra (literária e fílmica) da escritora-realizadora. A saber, questiona, em forma inversa, a perversão da dialéctica entre autora e muso (numa lógica de possessão física e do imaginário que contamina os corpos e o próprio desejo) afirmando, como corolário, o poder transfigurador (no bom sentido) e conversor (no mau) das palavras. Para isso, Simon sublinha aquele que é o elemento base da “maiêutica durasiana”: o diálogo. O diálogo e os mecanismos da conversação estão no cerne do trabalho de Duras, tanto nos “escritos” como nos “filmicos”. Dos diálogos interrompidos de Hiroshima mon Amour até à conversa surda de Le Camion, as formas dialogantes perpassam a produção da escritora de forma dilacerantemente aforística e interrogativa e Claire Simon entendeu-o e homenageou-o na secura espacial e formal do seu “filme falado”. Essa redução à matriz do processo de inquirição lógica — mas numa corrupção lírica do método pedagógico — é o que faz das conversas de Duras um fluxo ziguezagueante que molda o fluir intuitivo do pensamento (que lhe ocorre, mais do que se constrói). Se refiro esse filme de Simon é porque foi nele que encontrei a confirmação do que está latente ao longo dos três encontros que compõem Diálogos — Marguerite Duras e Jean-Luc Godard, publicado pela Sr. Teste Edições (no âmbito da colecção Fulgor Quotidiano): um jogo de sedução e conquista (no sentido mais bélico do termo) entre dois “mastodontes” das tácticas de conversação.

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