Onde encontrar os nomes portugueses de aves de todo o mundo?

O tradutor Paulo Paixão propôs num livro nomes portugueses para as cerca de 11.000 espécies de aves conhecidas no mundo. Este trabalho já foi acolhido por diferentes dicionários, incluindo o Priberam e a Infopédia da Porto Editora.

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O tradutor Paulo Paixão elaborou o livro Os Nomes Portugueses de Aves de Todo o Mundo para dar resposta a uma necessidade que ele próprio sentia enquanto observador de aves DR

O tradutor Paulo Paixão elaborou um livro que dá resposta a uma necessidade que ele próprio sentia enquanto observador de aves: onde encontrar uma proposta de nomenclatura, em língua portuguesa, para todos estes animais? O autor, um funcionário da Direcção-Geral da Tradução da Comissão Europeia, em Bruxelas, costumava usar os dias de folga ou férias para fotografar aves em diferentes geografias. Como a pandemia o obrigou a ficar em casa, passou a dedicar as horas livres à conclusão de uma investigação que culminou na obra Os Nomes Portugueses de Aves de Todo o Mundo.

O livro contém uma proposta de nomenclatura em português da lista taxonómica completa do Comité Ornitológico Internacional (IOC). Os 10.928 nomes de aves sugeridos por Paulo Paixão foram incorporados este ano no dicionário Priberam e na Infopédia da Porto Editora, assim como na versão multilingue do IOC e no dicionário multilingue Avionary. “O dicionário [galego] Estraviz vai fazer o mesmo”, garantiu Paulo Paixão ao PÚBLICO. O volume publicado em 2021, que pode ser consultado ou descarregado gratuitamente online, tem sido regularmente actualizado no blogue pessoal do autor, o Passarada.

Contactada pelo PÚBLICO, a Porto Editora explicou que a plataforma tem procurado integrar, ao longo dos últimos 19 anos, vocábulos de diferentes áreas do saber. Esta é uma das vantagens da digitalização: um dicionário em papel dificilmente abarcava estas palavras que não são de utilização corrente, mas a Infopedia.pt permite uma actualização permanente (acompanhando os avanços científicos e linguísticos) e a incorporação de contributos de especialistas, como foi o caso do ornitólogo Paulo Paixão”, lê-se numa nota enviada ao jornal.

O objectivo do livro é oferecer àqueles que se interessam por ornitologia, ou cujo trabalho implica a referência a nomes técnicos de aves em português, uma proposta de nomenclatura completa e coerente, que obedece a “critérios uniformes bem enunciados e observados”. Há quem defenda que, para o efeito, bastariam os nomes científicos, mas Paulo Paixão nota que estas designações em latim acabam por ser conhecidas apenas por especialistas. Persistia, na opinião do tradutor, a necessidade de haver uma lista uniforme de nomes vernáculos para facilitar a comunicação oral e escrita.

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Um bútio-de-rabo-vermelho fotografado na Flórida, Estados Unidos Paulo Paixão

Objectivo: precisão e coerência

“Reparámos que por vezes os nomes de aves aparecem com erros em textos jornalísticos ou programas de televisão. Pode ser a tradução [literal], a ausência de um hífen, uma letra maiúscula”, afirma Paulo Paixão, que vê no livro a possibilidade de haver maior precisão e coerência quando falamos de aves. Na opinião do tradutor, a uniformidade da nomenclatura permite identificar e descrever as espécies sem as confundir, facilitando a comunicação.

A ideia do autor não é desvalorizar outras formas de nomear estes animais em contextos familiares ou regionais. Por exemplo: numa conversa informal no quintal de casa, podemos chamar as aves que nos rodeiam de “pássaros” ou “pardais” sem qualquer prejuízo para a comunicação. O mesmo pode não acontecer, por exemplo, se estivermos a traduzir um texto que descreve a fauna exótica de um lugar específico. Se a tradução for literal, ou genérica, o leitor poderá estar a perder informação relevante.

“Acho muito bem haver uma diversidade de nomes locais, regionais ou nacionais (é uma riqueza cultural), que se utilizam para designar localmente as aves mais familiares e que têm cabimento usá-los numa comunicação com a mesma abrangência territorial. Mas creio ser importante haver um nome técnico uniforme em cada língua”, afirma o tradutor ao PÚBLICO.

Para a elaboração deste inventário, Paulo Paixão reuniu os nomes que já existiam (mas estavam dispersos por várias publicações) e propôs uma nomenclatura portuguesa harmonizada para todas as aves conhecidas no mundo. Consultou centenas de livros, artigos científicos e outras referências bibliográficas. Teve de definir vários critérios, todos enunciados na parte inicial da obra de divulgação científica. Há ainda múltiplas notas que acompanham entradas e permitem compreender não só as decisões do autor, mas também as origens de certas palavras.

Sabia que...

...existem 10.928 espécies de aves conhecidas no mundo, cujos nomes constituem a lista do Comité Ornitológico Internacional? 

“Paulo Paixão é todo o contrário de um ornitólogo de laboratório […]. É um homem do terreno, viajado por meio mundo em inúmeras expedições de observações de aves, conhecedor directo e in vivo de muitas das espécies referidas nesta obra e partidário de nomes comuns em português bem diferenciados. Por isso recorre, fundamentalmente, a características identificadoras das aves ou à sua distribuição geográfica, utilizando plenamente os recursos da língua portuguesa, na boa tradição dos antigos exploradores portugueses que se aventuraram por mares, ilhas e continentes”, escreve o terminólogo Paulo Correia no prefácio do livro.

No caso dos traupídeos das ilhas Galápagos, no Equador, a que muitas pessoas se referem como tentilhões de Darwin – numa tradução literal de Darwin’s finch –, o tradutor optou por uma solução completamente nova. “Não são tentilhões da família dos fringilídeos nem parentes próximos destes em termos evolutivos. Por isso, quis evitar continuar a chamar-lhes tentilhões. Após longa ponderação sobre várias soluções, escolhi um neologismo que me pareceu mais curto e alusivo à especificidade geográfica: galapaguito”, explicou Paulo Paixão ao PÚBLICO.

Um gaio-da-flórida fotografado no estado homónimo dos Estados Unidos Paulo Paixão
Um uí-pi fotografado na Mata Atlântica, no Brasil Paulo Paixão
Um pardalote-estriado observado em Brisbane, na Austrália Paulo Paixão
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Um gaio-da-flórida fotografado no estado homónimo dos Estados Unidos Paulo Paixão

Entre as soluções mais “trabalhosas” estão as que foram encontradas para a ortografia dos fringilídeos endémicos do Havai. “Em vez de inventar novos nomes de sonoridade mais familiar, optei por adaptar os nomes das línguas locais, à semelhança do que foi feito em inglês, espanhol e francês, mas seguindo uma lógica de aportuguesamento próxima da ortografia portuguesa, em vez de um puro decalque do inglês, o que deu nomes curiosos como: amaquii, acuecué, aquialoa, alauaio, palila, oú, aquiapolau, nucupuo, apapane, iívi, etc.”, refere Paulo Paixão.

Curiosidade desde a infância

A curiosidade de Paulo Paixão pelos nomes das aves começou ainda na infância. Em meados dos anos 70, observava os pássaros da rua e tentava descobrir como se chamavam recorrendo a um pequeno guia ilustrado do Círculo de Leitores. O interesse pela ornitologia começou a exigir cada vez mais fontes de conhecimento, da enciclopédia do reino animal da Verbo Juvenil aos documentários O Homem e a Terra, de Félix Rodríguez de la Fuente, passando por uma série de revistas National Geographic em inglês que descobriu na pequenina biblioteca da Delegação Marítima de Ponta Delgada, onde o pai estava a trabalhar em 1977.

“O meu pai era da Marinha e estava nos Açores [em 1977]. Gostava de ir à biblioteca da capitania, onde havia livros interessantes em inglês e também uma série da National Geographic, da qual eu nunca tinha ouvido falar. Nessa altura, eu já me interessava por fotografia e gostava de ler as legendas. Fazia-me um pouco de confusão pensar se havia ou não nomes em português para aqueles animais. Cada livro que tinha dava nomes diferente para cada pássaro”, conta Paulo Paixão ao PÚBLICO, numa videoconferência a partir de Bruxelas.

As designações que encontrava eram por vezes estranhas e podiam variar conforme as fontes. Uma ave designada como ganso-patola num livro podia surgir noutro sítio como atobá-da-escócia ou alcatraz-do-norte. Estas variações faziam-no, ainda criança, questionar não só qual das nomenclaturas seria a correcta, mas também os mecanismos que as regiam.

“Qual era a origem desses nomes e porque variavam? Qual deles era o mais apropriado para cada espécie? Como se escolhiam os nomes científicos e quem os atribuía ou alterava? Estas eram algumas das questões para as quais só anos mais tarde encontraria resposta”, escreve Paulo Paixão na apresentação do livro.

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Um pintassilgo-europeu observado no estuário do Tejo, em Portugal DR/Paulo Paixão

Os questionamentos de infância foram sendo respondidos, e substituídos por outros, à medida que a biblioteca e a experiência de Paulo Paixão expandiam-se. Se aos 16 anos as colecções zoológicas do Museu de História Natural de Londres eram suficientes para o fascinar, esta condição de deslumbramento já exigiria, na vida adulta, a observação de aves na própria natureza. Começou com viagens pela Europa, sempre acompanhado por um guia ilustrado de aves, fazendo depois voos mais longos com o objectivo de encontrar espécies que só conhecia dos livros. Documentou aves em diversos países em África, no Oriente e nas Américas do Norte, Centro e Sul.

“No final de 2019 já tinha visto, um pouco por todo o mundo, quase 3000 espécies de aves, muitas das quais também fotografei. Assim fui adquirindo conhecimentos sobre a maior parte das famílias de aves do mundo, a sua diversidade e morfologia, a ecologia, as vocalizações e outros aspectos do comportamento e ecologia destes animais, bem como o meio natural em que vivem. Sempre quis saber o nome de todas essas espécies em português”, refere o autor.

Quando se aventurou na observação de aves, familiarizou-se com a nomenclatura proposta por Sacarrão e Soares em 1979 para as espécies europeias e, anos mais tarde, deixou-se convencer pelas soluções propostas por Costa e outros autores. No entanto, quando Paulo Paixão partia à procura das espécies exóticas em países como Madagáscar ou Papuásia-Nova Guiné, a frustração era inevitável ao deparar-se com a indicação “sem nome conhecido em português”. O livro Os Nomes Portugueses de Aves de Todo o Mundo é, entre outras coisas, uma tentativa de colmatar uma lacuna que tanto incomodou o autor ao longo dos anos.

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