Daniel Bernardes: uma conversa com Bernardo Sassetti

Este domingo, na primeira edição do Festival Bernardo Sassetti, em Loulé, Daniel Bernardes aborda a música de uma das suas maiores referências artísticas. Um concerto a solo, mas na companhia da música que marca um “antes e depois” na sua vida.

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Bernardo Sassetti (1970-2012) Rui Gaudêncio

Daniel Bernardes tinha 15 ou 16 anos quando assistiu, no auditório da escola de música que frequentava em Leiria, a um concerto de Bernardo Sassetti (1970-2012). O pianista apresentava o álbum Nocturno (2002), momento de profunda reinvenção da sua música, antes mais próxima do jazz latino, a partir daí mais sintonizada com uma ideia contemplativa, cinematográfica e de enorme lirismo, e o estudante que Bernardes então era viu o seu mundo fortemente abalado.

“Há um antes e depois do Bernardo Sassetti” na sua vida, explica o músico ao PÚBLICO, em vésperas de se apresentar, este domingo, no primeiro Festival Bernardo Sassetti – a decorrer em Loulé, até 31 de Julho, com concertos na Cerca do Convento e jam sessions no bar Bafo de Baco.

A Daniel Bernardes cabe o concerto, de toda a programação, em que a obra de Sassetti será mais directamente revisitada, a partir de uma actuação a solo em que o pianista procurará fugir à forma tradicional a que as composições de jazz habitualmente obedecem – a apresentação do tema, a improvisação sobre essa base harmónica e melódica, e o regresso ao tema inicial. “Estou a trabalhar mais a nível de misturas”, explica Bernardes. “Estou a pegar em texturas de um tema e a misturá-las com melodias de outro tema, tentando fazer um jogo de reminiscências, mostrando diferentes composições e utilizando a citação.” Quer isto dizer que é muito possível que Daniel Bernardes comece por interpretar um tema de Nocturno – como O sonho dos outros ou Reflexos, os primeiros que transcreveu, ainda adolescente, quando quis adentrar na música que lhe provocou um tão intenso fascínio –, para depois, ao invés de improvisar a partir dessas pistas, divergir para alusões a peças de Ascent (2005) ou Motion (2010), álbuns posteriores de Sassetti.

Este concerto que Daniel Bernardes diz ser-lhe “muito confortável”, porque “há imensa música do Bernardo que já tinha nas mãos” – fruto de anteriores convites da Casa Bernardo Sassetti, entidade promotora do festival, para abordar o reportório do músico falecido há dez anos –, tratará de homenagear uma das suas maiores referências, em parte pela “ligação entre a improvisação e o universo jazzístico, e a música clássica”, diz.

Bernardes reconhece em Sassetti “uma personalidade musical de tal forma profunda e marcante” que, compara, “tal como aconteceu com Bill Evans nos anos 60, é difícil para quem vem a seguir fugir àquela natureza”. “A única hipótese”, defende, “é construir a partir daquele paradigma e encontrar alguma originalidade.”

De alguma forma, é esse caminho que Daniel Bernardes estará a percorrer este sábado em Loulé, na primeira edição deste festival (que se propõe acontecer anualmente, sempre numa diferente cidade do país). Estará a seguir os passos de Sassetti e a encontrar o seu espaço para dialogar com um dos seus maiores mestres. Sem preocupação de respeitar qualquer “perspectiva cronológica, histórica e estilística”. É a conversa a dois que Bernardes conseguir imaginar.

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