Novo Banco: responsabilidades que as auditorias não branqueiam

O que de pior aconteceu neste caso foi o Governo querer desfazer-se do NB a toda a pressa. Imagine-se que alguém coloca as suas galinhas ao alcance de uma raposa. Poderá assacar-se à raposa a responsabilidade de as ter magoado?

Foram tornadas públicas os resultados de duas auditorias ao Novo Banco – uma da Deloitte, outra do Tribunal de Contas. Ambas confirmam aquilo que já era do conhecimento geral: que a administração do NB foi pródiga na utilização dos 3,9 mil milhões do Fundo de Resolução (FR), mas que o Governo e o Banco de Portugal não são alheios a tal situação. Poder-se-ia dizer, pois, que nada de novo trouxeram.

Porém, tendo em consideração o diminuto grau de nova informação constante desses resultados, o eco das referidas conclusões nalguns media foi demasiado estrepitoso. Veja-se o caso do editorial deste jornal de 12 de julho [13 na edição impressa]. O colocar o ónus da utilização do FR na administração do NB parece mais o branquear das responsabilidades dos outros intervenientes no processo do que o discutir do verdadeiro mapa das responsabilidades.

O destino do FR estava talhado desde o momento em que se assinou o contrato de venda do NB, mesmo antes da administração deste iniciar a respetiva “limpeza”. Como escrevi em crónica no Expresso online, a 23/9/2020 (Cortinas de fumo envolvendo o Novo Banco), chegado ao “… célebre número dos 3,9 mil milhões de euros, o valor estimado do empolamento dos ativos, caucionado pelo Governo e pelo Banco de Portugal … o desfecho esperado também está prescrito nos livros: o comprador deixa de ter qualquer incentivo para se esforçar em vender os ativos por um valor superior ao fixado …”. Foi o que aconteceu, com o NB a reclamar do FR (eufemismo para contribuintes) o ressarcimento das menos-valias geradas.

O que de pior aconteceu neste caso foi o Governo querer desfazer-se do NB a toda a pressa. É do conhecimento geral, pela intuição subjacente, que quem vende sob pressão sai sempre prejudicado. Foi o alicerce de todo o processo, resultando de uma decisão deliberada que não poderia ter deixado de produzir consequências negativas para o Estado (contribuintes). Depois, a pedra angular do desastre foi o não se ter em consideração a situação de risco moral (”moral hazard”) que o contrato permitia e que favorecia a parte compradora.

O risco moral, num contexto contratual como o que se discute, consubstancia-se em uma das partes intervenientes ter um incentivo para adotar comportamentos de risco que não adotaria se tivesse de sofrer as consequências financeiras daí resultantes. No caso em concreto, essa parte é o comprador que, ao vender ativos supostamente “tóxicos” ao desbarato, impõe ao vendedor os custos daí derivados. Ou seja, O Governo e o Banco de Portugal ao caucionarem um tal contrato de venda, que colocava um “cheque” em branco de 3,9 mil milhões nas mãos do comprador, são os responsáveis primeiros da situação inerente ao modo como o FR foi utilizado e, por arrastamento, dos prejuízos supervenientes para os contribuintes.

Colocar o ónus da culpa na administração do NB, por não ter defendido o “interesse público”, como tem aparecido na imprensa, só pode ser visto como uma maneira de branquear as responsabilidades dos representantes da coisa pública em todo o processo. Veja-se. O NB é uma sociedade privada, em que o Estado tem uma parte minoritária do capital; a respetiva administração foi contratada para “limpar” a instituição no mais curto período de tempo, pois o acionista maioritário era, desde o início, conhecido por se querer desfazer dela a curto prazo; o incentivo principal subjacente a essa administração era realizar tão rápido quanto possível a tarefa para a qual havia sido mandatada. O “cheque” que tinha em mãos (FR), foi o instrumento que tornou todo o processo de “limpeza” mais rápido. Qualquer outra administração, no mesmo contexto, teria adotado idêntico comportamento. O desfecho verificado era expetável, é conhecimento disponível “nos livros”, está sobejamente documentado na literatura.

Pode parecer que se está a defender a administração do NB. Longe disso. Procura-se, sim, alocar as responsabilidades a quem cabem. Imagine-se que alguém coloca as suas galinhas ao alcance de uma raposa. Poderá assacar-se à raposa a responsabilidade de as ter magoado? Ou será essa responsabilidade de quem as colocou ao alcance daquela?

Também no caso NB, os gestores da coisa pública não parecem ter acautelado devidamente o interesse dos contribuintes, com as tão graves consequências financeiras que se conhecem. É preocupante que isso aconteça. Mas tão ou mais preocupante é ver disseminar-se na opinião pública a ideia de que a culpa é de um interveniente secundário, diluindo a efetiva matriz de responsabilidades e contribuindo para que o futuro, em termos de defesa dos interesses do Estado, não venha a ser diferente do passado e do presente.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 2 comentários