Relíquia do sangue de Cristo roubada em França foi deixada à porta de um Indiana Jones holandês

Furtado há um mês da abadia beneditina de Fécamp, na Normandia, um escrínio que os devotos acreditam conter gotas do sangue de Jesus reapareceu agora nos Países Baixos, à entrada da casa de Arthur Brand, um detective especializado em recuperar obras de arte.

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Relicário terá sido roubado a 2 de Junho da abadia normanda de Fécamp Ramon van Flymen/EPA

Um relicário em cobre dourado, dito do Preciosíssimo Sangue por alegadamente conservar algumas gotas do sangue de Cristo, que fora roubado na madrugada do passado dia 2 de Junho da abadia normanda de Fécamp, reapareceu nos Países Baixos, à porta de Arthur Brand, um detective holandês cujos sucessos na localização e recuperação de arte roubada ou desaparecida já lhe valeram a alcunha de “Indiana Jones".

Depois da comoção local provocada pelo furto da relíquia, que desde o século XII atraía muitos peregrinos a Fécamp, este súbito reaparecimento parece quase milagroso. Sobretudo se se vier a confirmar que o relicário deixado na soleira da porta de Brand na sexta-feira mas que apenas nesta terça-feira foi noticiado é mesmo o que foi removido da abadia, verificação que ainda não foi feita. Brand, contudo, está convicto de que é o artigo genuíno. “Não tenho a menor dúvida de que é o verdadeiro: os objectos religiosos são quase impossíveis de contrafazer”, disse o investigador à agência France Presse, citada pelo jornal Le Figaro.

O juízo informado de Brand parece ser confirmado pelo facto de o vulgar caixote que recebeu conter também outras peças roubadas na mesma ocasião do interior da abadia francesa, incluindo placas litúrgicas, esculturas de santos e um cálice decorado. E se o relicário pode ter-se revelado invendável, a devolução das restantes peças leva o detective holandês a admitir que os larápios tenham sentido remorsos. Não a ponto, contudo, de se entregarem nas mãos da polícia ou devolverem directamente o saque à abadia.

Num e-mail redigido em neerlandês a que a France Presse teve acesso, um interlocutor não identificado informa Arthur Brand de que está na posse dos objectos roubados em Fécamp e que, por ser demasiado arriscado devolvê-los ele mesmo, os irá fazer chegar ao domicílio do investigador, pedindo-lhe que os reencaminhe para a abadia. “Era perigoso envolverem a polícia, e esta gente conhece a minha reputação”, disse Brand, para quem “o mais importante é garantir que a relíquia regresse à abadia pelo menos por mais mil anos”.

“Experiência religiosa”

No entanto, segundo o Le Figaro, a investigação policial francesa, confiada ao departamento central de luta contra o tráfico de bens culturais, continua activa, já que, para lá de não terem sido identificados os autores do roubo, há outros aspectos a considerar, como o do percurso que o tesouro pode ter seguido desde que deixou a abadia. Logo depois do assalto, a convicção dos investigadores era que se tratara de uma operação planeada e que os ladrões – admitindo que não fora trabalho de um só homem – se teriam deixado encerrar no edifício, forçando depois o seu caminho até à sacristia onde se conservava o relicário.

O endereço de Arthur Brand não tem sido divulgado nas notícias, e nem sequer a cidade onde se localiza, talvez porque as peças ainda estavam até há pouco em seu poder e só terão passado esta terça-feira para as mãos das autoridades neerlandesas, que por sua vez as remeterão à polícia francesa. Até ao momento, portanto, nem a polícia nem quaisquer investigadores independentes examinaram os objectos encontrados, sublinhava esta terça-feira o Le Figaro.

Com cerca de trinta centímetros de altura, o relicário propriamente dito foi fabricado no século XIX, mas as ampolas metálicas que conserva terão sido descobertas no final do século XII. Ou redescobertas, posto que a tradição sustenta que era já em torno da relíquia do Preciosíssimo Sangue que foi construído no local, em meados do século VII, um primeiro santuário, depois devastado durante as incursões viquingues do século IX. Segundo o Evangelho de João, Nicodemos teria auxiliado José de Arimateia a preparar o corpo de Jesus para o enterro, e terá sido ele, de acordo com uma lenda gnóstica, a recolher as gotas de sangue de Cristo numa relíquia de que teria sido também o guardião original. Já o seu transporte por mar até à costa da Normandia ter-se-ia ficado a dever a um filho de Arimateia, Isaac.

Famoso pela descoberta de obras desaparecidas de Picasso ou Dalí, mas também de um anel que pertenceu a Oscar Wilde ou de um par de estátuas equestres de bronze em tamanho natural conhecidas como Os Cavalos de Hitler, que estavam dadas como perdidas desde 1945, Arthur Brand confessou à France Presse que tocar na relíquia do Preciosíssimo Sangue foi uma “experiência religiosa” muito especial. “Enquanto católico, é o mais próximo que te podes sentir de Jesus e da lenda do Santo Graal”.

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