Sérgio Pombo (1947-2022): uma arte entre a figuração humana e a exasperação expressiva

O artista criou um dos mais poderosos conjuntos de figuração da arte portuguesa, que foi construindo e desconstruindo ao longo de cinco décadas.

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Sérgio Pombo Maria José Palla

Sérgio Pombo, “um dos nomes fundamentais revelados na arte portuguesa do último quartel do século passado”, morreu no domingo, aos 75 anos, na sua casa na Parede (Cascais), de doença prolongada. A avaliação da sua importância no contexto da cena artística nacional é do crítico João Pinharanda, que foi o curador responsável pela antológica Sérgio Pombo. Obras, 1973-2017, que entre Novembro de 2019 e Janeiro de 2020 foi apresentada na Fundação Carmona e Costa, em Cascais, e que seria a sua última exposição pública.

Em depoimento escrito para o PÚBLICO, Pinharanda lembra que teve relativamente à obra do artista nascido em Lisboa, em 1947, um interesse precoce. “Nas pinturas e esculturas dos anos de 1970, ele representava a realidade urbana e as suas velocidades através de imagens fragmentares: criava retratos sem rosto e narrativas sem linhas de rumo, construindo assim das mais evocativas e erotizadas imagens de uma sociedade em mudança”.

Depois de estudar Gravura na Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses e de se licenciar em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, Sérgio Pombo integrou nas décadas de 1970 e 1980 o colectivo Grupo 5+1 (que incluiu igualmente os pintores João Hogan, Júlio Pereira, Guilherme Parente e Teresa Magalhães e o escultor Virgílio Domingues).

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Uma obra de Sérgio Pombo DR

Nesses anos 80, “a década do ‘regresso à pintura’”, lembra Pinharanda, para recriar “os corpos que habitavam o seu universo inquieto, Sérgio Pombo recorreu à história e aos mitos, mas nem assim estabilizou as suas imagens”. “Criou então um dos mais poderosos conjuntos de figuração da arte portuguesa que foi desenvolvendo e desconstruindo nas décadas seguintes”, acrescenta o crítico e curador, que viu nos trabalhos mais recentes do artista, “numa estatuária hierática e fortemente colorida, as imagens que ia desfazendo na pintura; mas eram figuras desmultiplicadas e sempre anónimas”.

Valores da cultura pop

Neste percurso diverso, o artista “nunca se desviou, nem da figuração humana, nem da exasperação expressiva”, realça o actual director artístico do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), instituição que publicou esta terça-feira, nas suas redes sociais, uma nota de pesar sobre o desaparecimento de Sérgio Pombo, recordando que ele “incorporou na sua obra valores da cultura pop, desenvolvendo trabalhos de pintura, escultura e desenho”.

Após a sua formação nas Belas Artes, Sérgio Pombo foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em Portugal, entre 1976 e 1979, e na Alemanha, entre 1992 e 1993. Ao longo de mais de cinco décadas, realizou exposições sobretudo em território nacional, mas também em Espanha, França, Áustria, Bélgica, Grécia, Rússia, Venezuela e EUA, tendo integrado a representação de Portugal na Bienal de São Paulo em 1984.

Em 2013, quando apresentou uma exposição de escultura no Teatro da Politécnica, em Lisboa, Sérgio Pombo falava à agência Lusa das suas inquietações, plasmadas na sua obra. “Uma parte da minha pintura andou à volta da representação do corpo: do sangue, do sentimento, do prazer, do sabor, da força, do músculo, do tendão e do movimento”, que é “muito mais excitante, enervante e tenso do que a representação de um cosmo – a representação geométrica”, disse.

A propósito dessa mesma exposição, o encenador Jorge Silva Melo (1948-2022) escreveu na página dos Artistas Unidos: “A pintura de Sérgio Pombo – pintura, desenho, com figuras ou sem, a pintura que nele tudo é pintura, irredutivelmente pintura, mesmo quando é escultura – é tão brilhantemente viva que ofusca”.

Já em 2019, a exposição do artista plástico na Fundação Carmona e Costa foi acompanhada pela edição de um catálogo, em que o curador, João Pinharanda, escreveu: “Sérgio Pombo exprime a sua subjectividade dominante e o seu ‘sentimento trágico da vida’ através de uma figuração exacerbada; cria o seu próprio tempo e universo, mas insere-os num tempo cronológico que os ultrapassa e num campo longo, expressionista (ainda não inteiramente revelado e estudado), da criação artística portuguesa”.

Sérgio Pombo recebeu, entre outros, o Prémio Nacional de Gravura (1981), o Prémio de Gravura do Banco de Fomento Nacional (1983) e o Prémio Banif de Pintura (1993). A sua obra está representada em colecções como as do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, do Museu Nacional de Arte Contemporânea/Museu do Chiado e da Caixa Geral de Depósitos e em colecções privadas.

O velório do corpo de Sérgio Pombo terá lugar esta quarta-feira, entre as 17h e as 24h, no Centro Funerário de Cascais, onde, quinta-feira, às 12h, se realizará a cremação. Com Lusa

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