Vergonha climática

Considerar o gás natural e o nuclear como sustentáveis equivale a dizer que o setor financeiro deve continuar a financiar estes projetos e que os fundos comunitários também o poderão fazer.

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A vergonhosa decisão do Parlamento Europeu e da Comissão são parte do caminho para a extinção de uma espécie: a nossa EPA/JULIEN WARNAND

O Parlamento Europeu não se opôs à desastrosa decisão da Comissão Europeia em considerar o gás natural e a energia nuclear sustentáveis. Esta decisão é uma vergonha, um sinal errado e um passo em frente no caminho do abismo.

Como é possível que o Parlamento Europeu, que durante as negociações da Lei do Clima queria ir mais longe e ser mais ambicioso, tome uma decisão como esta – que desdiz, contraria e repudia até a política de há menos de dois anos do próprio Parlamento – num tempo em que é ainda mais evidente, por causa da guerra, que a aposta tem que ser em fontes renováveis?

A única boa notícia é a de que todos os deputados portugueses presentes votaram no sentido certo, reflexo da quase total unanimidade da sociedade portuguesa a favor das energias renováveis, porque estas não geram emissões, não criam resíduos, produzindo eletricidade mais barata e com preços previsíveis.

A Europa, que com a Lei do Clima assumiu a liderança e se comprometeu a ser o primeiro continente neutro em carbono no mundo, faz um flic flac à retaguarda e vem agora dizer “estávamos a brincar”.

Considerar o gás natural e o nuclear como sustentáveis equivale a dizer que o setor financeiro deve continuar a financiar estes projetos e que os fundos comunitários também o poderão fazer. Isto é mais do que inaceitável e, desculpem se nos repetimos, é uma vergonha.

Não propomos que se invadam as decisões soberanas dos Estados em relação à sua política energética. Querem fazer centrais nucleares cujo preço e tempo de construção levará à subsidiação perversa da eletricidade produzida por estar fora do preço do mercado? Que o façam, mas não lhes chamem sustentável nem coloquem dinheiro dos contribuintes comunitários na sua construção.

É necessário, pelo menos durante 20 anos, reforçar o abastecimento de gás natural na Europa? Sim, mas que as novas infraestruturas sejam já construídas por forma a poderem ser usadas por gases renováveis, nunca e apenas só para o gás natural.

Sabemos todos bem o que tem de ser feito para que o planeta não aqueça para além dos 1,5 graus Celsius da temperatura que existia aquando do início da era industrial. E é óbvio que os fluxos financeiros têm que ser dirigidos para os investimentos certos, em renováveis e no seu armazenamento. É também evidente que cabe aos políticos tomar as decisões certas e corajosas para que a mudança aconteça.

Esta vergonhosa decisão do Parlamento Europeu e da Comissão são parte do caminho para a extinção de uma espécie: a nossa. Não há outra forma de o escrever.

É muito curiosa a notícia de hoje, na qual o Governo francês se vê obrigado a comprar a parcela de 16% de capital privado da EDF (Eletricidade de França) para investir no nuclear. É que os privados, preocupados com o seu dinheiro, sabem que essa opção é um perfeito disparate.

A esperança está numa opinião pública cada vez mais exigente, em governos como o português, que não vacilam na sua estratégia em favor das renováveis, e nas empresas, que, preocupadas com os seus custos, as suas cadeias de abastecimento e com o mercado, rejeitam os combustíveis fósseis ou o embuste de um “nuclear amigo”.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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