Olivier Véran, o novo rosto do Governo de Macron

O ex-ministro da Saúde passa a ser o novo porta-voz do Governo francês. Do combate à pandemia para a comunicação das políticas do executivo, com uma breve passagem pelos assuntos parlamentares, o ex-socialista herda um trabalho difícil em tempo de maioria relativa.

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Véran, neurologista de 42 anos, foi ministro da Saúde CHRISTOPHE PETIT TESSON /EPA

Em Novembro de 2020, quando França registava mais de 30 mil casos diários de covid-19 e centenas de mortes, o então ministro da Saúde pediu à Assembleia Nacional uma renovação do estado de emergência sanitária. Aproveitando a falta de quórum da maioria naquele momento, os deputados da oposição chumbaram um prolongamento para lá de meados do mês seguinte.

Relatando visitas a unidades de cuidados intensivos em que vira pessoas jovens a lutar pela vida depois de serem infectadas pelo coronavírus, o governante perdeu a compostura. “Esta é que é a realidade, senhores deputados! Se vocês não querem ouvir, saiam daqui!”, gritou Olivier Véran, recebendo uma ovação em pé dos deputados apoiantes de Emmanuel Macron e apupos das restantes bancadas.

O vídeo desse momento circulou rapidamente nas redes sociais e pôs os eleitos da oposição em alvoroço. Um mês depois, o ministro pediu desculpa.

Esse e outros episódios de debates quentes voltam agora à memória ao saber que Olivier Véran não continua como responsável ministerial dos assuntos parlamentares, mas passa a porta-voz do Governo. “Ele adora a política e o debate, mas um ministro das Relações com o Parlamento deve guardar o orgulho no bolso e não ferver em pouca água como ele”, comenta um vice-presidente do Senado, Roger Karoutchi, que desempenhou a mesma função durante a presidência de Sarkozy.

Quando Macron apresentou o Governo para o seu segundo mandato, em Maio, e tirou Véran da Saúde para o colocar nos corredores da Assembleia, a mudança foi vista como uma despromoção. Mas as legislativas de Junho e a perda da maioria absoluta pareciam colocá-lo na primeira linha da vida política francesa. “Cada vez que chego a algum lado há uma crise”, desabafava o próprio ao Le Figaro.

A passagem para ministro delegado encarregado da Renovação Democrática e porta-voz do Governo colocam-no mesmo na primeira linha, como o rosto que os franceses mais ouvirão a explicar as políticas do executivo.

Quando se pensava que o homem que cunhou a sua reputação governamental (e popularidade) na luta contra a pandemia, depois de ser nomeado ministro da Saúde em Fevereiro de 2020, passaria o tempo nos corredores do Parlamento a arregimentar apoios para as políticas do Governo, o Presidente francês, Emmanuel Macron, decidiu retirá-lo de ministro dos assuntos parlamentares, passado pouco mais de um mês. Talvez porque a emoção é boa para transmitir as políticas aos franceses, mas não tanto o jogo de cintura que as difíceis negociações políticas de quid pro quo que um Governo a precisar de 39 deputados para fazer passar as suas iniciativas na Assembleia Nacional precisa.

E é assim que este neurologista de 42 anos, deputado entre 2012 e 2015 pelo Partido Socialista, e a partir de 2017 nas fileiras do República em Marcha (agora Renascimento), o partido de Macron, chega ao cargo a porta-voz do Governo francês: “A nossa responsabilidade é a de tornar audível a nossa acção”, disse Véran esta segunda-feira, citado pela Le Point, “comprometo-me a falar verdade, a falar o justo”.

Assédio ao PS

Olivier Véran não se tem escusado a falar com os órgãos de comunicação franceses que por estes dias procuravam traçar-lhe o perfil. Apesar de haver várias vozes na coligação de Macron e no Governo que associam a maioria relativa à ingovernabilidade, ele desvalorizava e dizia que nada é mais grave do que a pandemia. Que estar no Parlamento é mais fácil. “O nível de pressão não é o mesmo. Na Saúde, uma decisão mal tomada pode pôr em risco milhares de vidas. Aqui, o trabalho não se faz em pouco tempo. Se eu não atender um telefonema não ponho em causa as instituições”, dizia ao Libération.

Mesmo assim, já não será Véran a negociar os três projectos de lei que seriam o seu primeiro grande teste no ministério. A renovação do estado de emergência por causa da covid-19, em plena sétima vaga, o orçamento rectificativo e um decreto para aumentar o poder de compra dos franceses face ao aumento da inflação são diplomas considerados essenciais no Eliseu. Fica a batata quente para o seu sucessor, Franck Riester, um homem que vem da direita, com ligações ao ex-Presidente Nicolas Sarkozy.

Praticante de kick-boxing, o novo porta-voz do Governo francês guarda da sua passagem efémera pelas Relações com o Parlamento o dossier da Renovação Democrática, o que não é tarefa fácil porque implica mudança numa área onde irá encontrar enormes resistências. Como o próprio ministro afirma, “a democracia precisa de um médico”.

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