Passados 25 anos da transferência de soberania, Hong Kong tem um regime “brutal e autoritário”, diz antigo governador

O último governador britânico do território, Chris Patten, critica a forma como Pequim impôs a sua mão-de-ferro. Aponta também o dedo ao governo português que “baixou os braços” em Macau.

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Chris Patten REUTERS/Bobby Yip

Passados 25 anos da transferência de soberania de Hong Kong para a China, o último governador britânico, Chris Patten, responsabiliza o Partido Comunista Chinês e o Presidente da China pelo actual regime “brutal e autoritário” no território. Xi Jinping visitará a região administrativa especial chinesa esta sexta-feira para assinalar a data.

“Penso que é justo dizer que durante dez anos, após 1997, talvez um pouco mais, as coisas não correram muito mal. Mas deterioraram-se porque Xi Jinping e os seus colegas têm medo do que Hong Kong representa”, disse recentemente o antigo governador num encontro com jornalistas para promover a sua obra Diários de Hong Kong”, citado pela Lusa.

Enquanto Jiang Zemin e Hu Jintao lideraram a China, “Hong Kong permaneceu identificável como era antes de 1997”, explicou Chris Patten, mantendo o Estado de direito, a justiça independente e uma polícia respeitadora dos direitos humanos, que permitia a liberdade de reunião, protestos e imprensa sem censura.

“Hong Kong parecia ter sobrevivido razoavelmente bem, embora com alguns golpes e contusões: uma extraordinária mistura de atitudes chinesas e ocidentais, um grande centro comercial e cultural internacional actuando como o principal canal para investimentos dentro e fora da China, e uma parte da China com personalidade própria”, descreve no livro.

Porém, após uma década, gradualmente Pequim começou a interferir na economia, na educação e na legislação, apesar da promessa de manter durante pelo menos 50 anos um elevado grau de autonomia, ao abrigo da polícia de “um país, dois sistemas”. Nos últimos anos, lamenta o antigo governador, assistiu-se à “destruição de uma das sociedades mais livres da Ásia pela tirania comunista, com a cumplicidade de alguns líderes locais e contra a vontade manifesta da maioria da população”.

Segundo Patten, Portugal também não teve uma postura correcta ao “baixar os braços em relação a Macau”, a outra Região Administrativa Especial, cuja transferência de soberania foi feita em 1999. Vasco Rocha Vieira, o 138.º e último governador de Macau, já manifestava alguma “frustração” com a crescente influência chinesa na administração e tinha consciência de que a forma como decorresse a transferência de Hong Kong teria impacto na colónia portuguesa.

O britânico entende que o governador português estava “constrangido no seu papel pelo mal-estar político generalizado de Portugal sobre se detinha de facto alguma soberania significativa sobre Macau”. “Macau é evidentemente muito diferente, muito mais pequeno, e o lado português baixou os braços em 1967 durante a Revolução Cultural e voltou a baixá-los depois”, a seguir ao 25 de Abril, escreve no livro.

Na altura, a tensão entre Hong Kong e Pequim era evidente devido à tentativa do Reino Unido de deixar um legado de democracia no território britânico, e Patten reconhece a dificuldade de negociar com os comunistas chineses, aos quais acusa de faltar à palavra e de não aceitarem compromissos.

“Veja-se os problemas que os portugueses ainda têm em Macau, mesmo depois de terem baixado os braços perante a China a cada instante. As nossas negociações mostraram que o sistema chinês é fundamentalmente instável e esta é uma das razões pelas quais é tão difícil construir uma política de envolvimento permanente com o Partido Comunista Chinês”, lamentou.

A transferência de soberania da então colónia britânica, ocupada durante a Guerra do Ópio, em meados do século XIX, foi estabelecida para 1997 na Declaração Sino-Britânica. Patten foi enviado em 1992 com a incumbência de liderar a transição e garantir que permanecesse em vigor um sistema democrático e relativamente autónomo.

O livro é um registo das suas experiências nos cinco anos em que foi governador, incluindo encontros com políticos e dirigentes portugueses de Macau, a história de Hong Kong e uma reflexões sobre a presença britânica e o que aconteceu a seguir.

Durante esse tempo Patten desenvolveu uma relação afectuosa com a região, para a qual levou a família, incluindo a esposa Lavender Patten, que “abdicou de uma carreira bem-sucedida como advogada” para acompanhar o marido. Por isso, confessa sentir uma “profunda tristeza com o que está a acontecer” e revela o dilema que tem muitas vezes quando estudantes da Universidade de Oxford, onde é reitor, lhe pedem conselhos sobre se devem voltar ou ficar no Reino Unido.

“Parte-me o coração ver o que está a acontecer àquelas pessoas que se identificavam como chineses de Hong Kong, mas não têm orgulho no facto de Hong Kong ter passado para a soberania chinesa”, relata. Ainda assim, afirma que “Hong Kong é uma grande cidade” e que espera que volte a ser o que era.

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