Ex-director do BES contraria tese da defesa de Ricardo Salgado: buraco causado por um erro é pouco plausível

Carlos Calvário foi ouvido pela segunda vez na instrução do BES, desta vez a pedido da defesa de Ricardo Salgado. Murteira Nabo também depôs, mas houve várias perguntas a que não soube responder.

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Esta é a segunda vez que Ivo Rosa ouve Calvário na instrução do BES EPA/MARIO CRUZ / POOL

O juiz Ivo Rosa começou esta segunda-feira a ouvir, no âmbito da instrução ao caso do colapso do universo Espírito Santo, as primeiras testemunhas apresentadas pela defesa do ex-banqueiro Ricardo Salgado, audições que se vão prolongar pelo menos até final de Outubro.

O economista Francisco Murteira Nabo, que liderou algumas das maiores empresas portuguesas - incluindo a Portugal Telecom na altura em que o Grupo Espírito Santo era o principal accionista da operadora e chegou a ser administrador do banco controlado por aquela família - foi o primeiro a falar. Mas, dos três inquiridos, foi o que teve a audição mais curta, com muitas perguntas a ficarem sem resposta.

Mais demorado foi o depoimento de Carlos Calvário, que chegou a ser director do BES com a responsabilidade pela área do risco, que se prolongou por três horas. Esta é a segunda vez que Ivo Rosa ouve Calvário na instrução do BES. Apesar de ser testemunha do Ministério Público, o antigo responsável foi igualmente chamado pela defesa de dois arguidos, primeiro João Martins Pereira, que chegou a ser administrador da Espírito Santo Financial Group, e agora Salgado.

Mas nem no primeiro depoimento, nem neste a defesa do antigo líder do BES tem razões para sorrir. Calvário, membro de um grupo de trabalho criado na Espírito Santo Internacional (ESI), no final de 2013, após ter sido descoberto na holding de topo do grupo um buraco de 1300 milhões de euros, considerou ser pouco plausível que se possa justificar um prejuízo dessa dimensão com um erro de um contabilista, como tem insistido a defesa de Salgado.

Desde o início que o antigo líder do BES tem tentado concentrar todas as responsabilidades dos buracos nas contas no commissaire aux comptes Francisco Machado da Cruz, como se tudo se resumisse a um mero erro técnico sem qualquer intenção de beneficiar ou prejudicar alguém. E nega alguma vez ter dado ordens ao contabilista para falsear as contas, nomeadamente sobrevalorizando ou até inventando a existência de activos avultados em Angola, que nunca chegaram a aparecer.

Facto é que na sequência do chamado plano de reestruturação do GES, lançado em Julho de 2014, são comprados parte dos alegados activos da ESI por parte da Rio Forte e da Espírito Santo Irmãos, dando uma aparência de solidez que permitiu a estas duas entidades emitirem dívida, que, com o colapso do grupo, acabou por não ser paga, deixando milhares de pessoas e empresas com um prejuízo superior a 2300 milhões de euros, segundo as contas do Ministério Público.

A tese do erro foi a sustentada por Fernando Pereira Coutinho, antigo presidente da Comissão de Auditoria da Espírito Santo Financial Group, a segunda testemunha a ser ouvida, que não encontrou sinais de fraude numa inspecção que dirigiu quando já era conhecido o buraco nas contas.

Murteira Nabo, que faz no próximo mês 83 anos, não soube responder a algumas perguntas e disse várias vezes não se lembrar do que o estavam a questionar. Falou sobretudo sobre a relação que tinha com Alexandre Cadosch, presidente da sociedade suíça Eurofin, que o Ministério Público acredita seria uma sociedade controlada por Salgado e usada em múltiplos esquemas que terão permitido tirar dinheiro do BES para cobrir os buracos da parte não financeira do grupo.

Cadosch foi administrador da Templo, Gestão de Investimentos, uma empresa do sector imobiliário que foi presidida por Murteira Nabo. O economista contou que a determinada altura perguntou a Ricardo Salgado quem poderia estar interessado em investir na empresa e que este lhe indicou a Eurofin que, por sua vez, conseguiu trazer como investidor a AA-Iberian Natural Resources & Tourism.

Este fundo surge em 2008 a comprar igualmente as participações do GES em várias empresas em Portugal, nomeadamente as Termas de Monfortinho, as Águas do Vimeiro e a Herdade da Poupa. As vendas aconteceram num momento em que se tornava clara a incapacidade destas sociedades do GES de pagarem os financiamentos ao BES, tornando-se necessário retirá-las do universo Espírito Santo, para não suscitarem a atenção do regulador bancário que poderia obrigar à constituição de imparidades nas contas do banco, entre outras coisas. Questionado sobre quem eram os beneficiários finais do fundo, Murteira Nabo disse não saber.

As sessões de instrução realizam-se diariamente até à próxima quinta-feira, dia para o qual está prevista a inquirição do ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e do ex-ministro das finanças Eduardo Catroga.

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