Universidade Técnica

Portugal tem condições para ter uma rede de universidades técnicas, permitindo que os territórios possam desenvolver-se com base no conhecimento. Trata-se de ir além da ideia da “província” pitoresca, bucólica e folclórica.

Há uma história por contar e este é o tempo certo para recuperá-la.

Ela começa mais atrás, no século XIX, com um conjunto de escolas (Escola Politécnica de Lisboa, Academia Politécnica do Porto) que fazem eco das reformas napoleónicas, propondo um “Ensino Superior”, que se diferencie da velha universidade eclesiástica.

Tem novo episódio em 1930, com a criação da Universidade Técnica de Lisboa, dedicada às áreas do comércio, engenharia e agronomia (e incluindo uma escola de veterinária), emulando de forma clara o modelo da Technische Hochschule de Munique (Decreto 19.081).

Regressa em 1976, com o reconhecimento da dimensão universitária dos institutos superiores de engenharia e dos institutos superiores de contabilidade e administração, incluindo personalidade jurídica, autonomia administrativa e competência para conferirem o grau de doutoramento (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 327/76, 1976; artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 830/74, 1974). Para ingressar, depois, num limbo, a partir de 1979, com a recuperação de um modelo inspirado no sistema californiano (aplicado por Clark Kerr e difundido por Martin Trow), em que se reservada para algumas organizações o lugar de universidade-elite, dando às demais a vocação de universidade-de-massas. No caso português, o modelo teve um twist com a conversão de escolas de ensino médio num subsistema politécnico, acrescidas dos mencionados institutos de engenharia e de contabilidade e administração (por breves anos universitários).

Serve a história para ajudar a perceber dependências de percurso, reproduzidas em discursos que defendem, ora o país das três universidades criado em 1911, ora o acréscimo da Universidade-Técnica de 1930, ora a especificidade politécnica, em modo conversão de ensino médio de 1979.

O episódio recente de financiamento extraordinário do ISCTE (em detrimento de três politécnicos) ajuda a ilustrar a hegemonia centralista de Lisboa. Atualmente, 37% dos alunos do ensino superior encontram-se inscritos em organizações nesta área metropolitana. As organizações aí situadas fazem valer a sua proximidade ao poder e a força centípeda da capital. Esse mesmo número denúncia o falhanço da estratégia de massificação por diferenciação, razão para a oferta politécnica.

Na comunidade científica reconhece-se que a estratégia de diferenciação resultou em reprodução de desigualdades. O último relatório Education at a Glance da OCDE aborda este problema, sendo que à luz dessas conclusões, alguns países começaram já mexer na política das vagas, financiamento e estratégia de Ciência, dando prioridade a contextos de menor densidade demográfica.

A questão dos doutoramentos dos politécnicos só tem razão de ser se for vista a partir desta perspetiva mais larga, em que se percebe as razões institucionais (históricas) que ditaram o nosso sistema e se pensa que país queremos vir a ter. Portugal tem condições para ter uma rede de universidades técnicas, permitindo que os territórios possam desenvolver-se com base no conhecimento. Trata-se de conseguir, finalmente, ir além da ideia da “província” pitoresca, bucólica e folclórica.

Compreendendo os receios de quem vê nesta rede uma perigosa competição, importa recordar que uma rede se faz de complementaridades, em que os ganhos de uns são os ganhos de outros. Num país com centros de investigação que reúnem investigadores de diversas organizações, há razões de sobra para se vencer um certo paroquialismo organizacional.

Não temos apenas a geração mais qualificada de sempre, mas sim gerações sucessivas, a quem temos a obrigação de dar espaço, quer em matéria de profissionalização, quer em termos de organização. A constituição desta rede de conhecimento, permite ganhos operacionais, com melhor aplicação do financiamento, lançando sementes para um país diferente do desequilíbrio atual. Há um quadro legislativo largo que é necessário reformar, começando pelo regime jurídico e avançando até aos estatutos de carreira. Ainda estamos no começo.

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