“A maioria do Presidente tem interesse numa abstenção relativamente alta”

Benjamin Morel, politólogo, considera que “o debate político ficou eclipsado pela guerra na Ucrânia”, mas que que houve “estratégias políticas” para que a campanha fosse morna.

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A segunda volta das eleições legislativas em França realiza-se este domingo Reuters/ERIC GAILLARD

Professor em Direito Público na Universidade Paris-II Panthéon Assas, Benjamin Morel diz que se nota “um verdadeiro desinteresse” pelas eleições legislativas, mas que ao mesmo tempo se verifica uma “sobremobilização do eleitorado da oposição”

Depois de 2002, com a inversão do calendário eleitoral francês, pode-se falar das legislativas como “uma terceira volta das presidenciais”, como fez Jean-Luc Mélenchon?
Até agora, as legislativas representavam sobretudo uma confirmação da eleição presidencial. O eleitorado do Presidente da República mobilizava-se enquanto o da oposição abstinha-se substancialmente. Por isso muito dificilmente podemos falar de uma terceira volta. No entanto, é verdade que a sobremobilização do eleitorado da oposição nestas legislativas, sobretudo ligada à capacidade de Jean-Luc Mélenchon se apresentar como alternativa possível a um Governo dominado por Emmanuel Macron, relançou e voltou a dar sentido à ideia de que são as legislativas que devem determinar as políticas futuras da nação. Antes do quinquenal [em 2002 os mandatos presidenciais franceses passaram a durar cinco e não sete anos], as legislativas eram realmente uma ocasião para escolher um projecto político, o que por vezes conduzia à coabitação.

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Benjamin Morel

Por que motivo é que a abstenção nestas legislativas é tão alta?
Há fenómenos conjunturais. O debate político ficou eclipsado pela guerra na Ucrânia, da qual os media falam abundantemente em detrimento da campanha. Porém [a abstenção] não se justifica apenas pela falta de interesse dos eleitores, mas também por estratégias políticas. O eleitorado de Macron é composto essencialmente por extractos sociais superiores e por pessoas mais velhas. Estas categorias votam significativamente na maioria das eleições. A maioria do Presidente tem, por isso, todo o interesse numa abstenção relativamente alta, uma vez que o seu eleitorado não está incluído nela. Daí que o República em Marcha tenha feito uma campanha muito discreta. Se a formação política favorita é a do Presidente e não faz campanha nem propõe nada de muito claro, dificilmente pode haver debate político e a campanha ser interessante.

E pensa que essa ausência de campanha ou o fraco interesse dos eleitores é um sintoma de falta de confiança nas instituições democráticas?
A abstenção nestas eleições tem razões diferentes daquelas que estiveram presentes nos escrutínios legislativos desde 2002. Nas outras, havia uma participação diferenciada: o eleitorado da maioria mobilizava-se, o eleitorado da oposição, considerando que a eleição já estava perdida, preferia abster-se. Ou seja, não se tratava de um desinteresse na política, mas de uma espécie de fatalismo. Nestas eleições nota-se mais profundamente um verdadeiro desinteresse. Há factores estruturais, como a sensação de que a política não pode mudar as coisas ou que o modo de escrutínio (maioritário em duas voltas) conduz a uma sub-representação de certas categorias que preferem abster-se.

As últimas sondagens indicam como cenário mais provável que nenhuma coligação consiga maioria. Nesse caso, o papel da Assembleia Nacional torna-se mais relevante no sistema político?
Na 5.ª República, o Presidente da República tem, na verdade, e sob um ponto de vista puramente jurídico, muito poucos poderes. O seu poder real advém-lhe de uma maioria pletórica na Assembleia. Ora, se não dispuser dessa maioria, é forçado a apoiar-se em aliados, que têm as suas próprias lógicas e estratégias, e a Assembleia deixa de ser uma caixa de ressonância para passar a ser um verdadeiro lugar de negociação. O poder desloca-se do Eliseu para o Palácio Bourbon. Uma maioria relativa, que será o caso aconteça o que acontecer, porque os últimos resultados tornam necessária a aliança e o apoio dos parceiros de Emmanuel Macron (o MoDem e o Horizontes) e até de certos partidos da oposição, arrisca-se realmente a provocar um deslocamento do poder.

Macron disse que é o Presidente que escolhe a pessoa que nomeia primeiro-ministro. Poderá ele nomear outra pessoa que não Jean-Luc Mélenchon se a NUPES ganhar as eleições? Não haverá um risco de bloqueio constitucional?
É preciso dizer que as hipóteses de a NUPES ganhar estas eleições são muito pequenas neste momento. Se isso acontecer, Macron não tem nenhuma obrigação constitucional de chamar Mélenchon para primeiro-ministro. Pode escolher qualquer outra pessoa e caberá à Assembleia, se realmente desejar ver Mélenchon em Matignon, de reverter a nomeação do primeiro-ministro. Se Emmanuel Macron insistir, cria-se um braço de ferro com a Assembleia que testemunharemos até que uma das partes ceda ou que o Presidente decida dissolver a Assembleia.

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