Argélia congela comércio com Espanha e ameaça fornecimento de gás

Posição do Governo de Pedro Sánchez em relação à autonomia do Sara Ocidental leva Argel a suspender tratado de amizade assinado há 20 anos.

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Pedro Sánchez defendeu no Parlamento espanhol a mudança de política em relação ao Sara Ocidental EPA/Emilio Naranjo

A relação estratégica que Espanha e Argélia mantiveram nos últimos anos sofreu um duro golpe após o Governo de Argel ter suspendido o tratado de amizade entre as duas nações e congelado, esta quinta-feira, as operações bancárias relacionadas com o comércio de bens e serviços para o país ibérico.

As autoridades argelinas decidiram suspender na quarta-feira o chamado Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação, assinado com Espanha em 2002, por causa do que qualificaram como uma posição “injustificável” do Governo liderado por Pedro Sánchez em relação ao Sara Ocidental.

Em Março, o presidente do Governo espanhol enviou uma carta ao rei de Marrocos, Mohamed VI, na qual afirmava que a proposta apresentada por Rabat em 2007 para que o Sara Ocidental seja uma região autónoma controlada por Marrocos, seria “a base mais séria, credível e realista para a resolução deste litígio”. A posição de Madrid foi considerada pelo Presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, como “moralmente e historicamente inaceitável”.

Na quarta-feira, Sánchez voltou a defender no Parlamento a mudança da política espanhola em relação ao Sara Ocidental, insistindo perante os deputados que o plano autonómico proposta pelo rei marroquino é a solução “mais realista” para o futuro da antiga colónia espanhola em África.

Esta quinta-feira, poucas horas após a suspensão do tratado de amizade, o Governo do país magrebino ordenou à sua banca que congelasse todas as operações relacionadas com o comércio com Espanha, uma medida que na prática bloqueia o comércio bilateral e poderá pôr em causa o fornecimento de gás natural a Espanha.

Apesar de a dependência espanhola do gás proveniente da Argélia ter diminuído nos últimos meses, quase um quarto do gás importado por Espanha no primeiro trimestre deste ano veio do país do Norte de África, em comparação com mais de 40% em 2021, de acordo com o gestor da rede de gás espanhola.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha, José Manuel Albares, afirmou que o Governo de Madrid está a analisar as implicações práticas da decisão argelina e prometeu uma resposta “serena” mas “firme” para defender os interesses espanhóis.

“Estamos a analisar exactamente as implicações desta medida, o alcance prático, tanto a nível nacional como europeu, para dar a resposta adequada, serena, construtiva mas também firme na defesa dos interesses de Espanha e das empresas espanholas”, disse Albares.

Em relação ao impacto que poderá ter no fornecimento de gás a Espanha, o chefe da diplomacia de Madrid referiu que, para já, “o que as empresas de gás nos dizem é que não há quaisquer dificuldades”.

Já a ministra espanhola para a Transição Ecológica, Teresa Ribera, lembrou que o fornecimento de gás natural está assegurado por contratos entre empresas com vigência de dez anos. “Neste momento, está tudo a funcionar com normalidade”, acrescentou.

Denúncia à UE

A resposta firme prometida por Albares poderá ser, segundo avança o El País, a denúncia formal perante a União Europeia, já que, no entendimento do Governo espanhol, o congelamento unilateral do intercâmbio comercial poderá ser uma violação do Acordo Euromediterrânico de 2005, que estabeleceu uma regime de associação preferencial entre a Argélia e o Bloco europeu.

Segundo refere o jornal espanhol, o artigo 38.º do acordo da Argélia com a UE estabelece que ambas as partes “comprometem-se a autorizar, em moedas livremente convertíveis, todos os pagamentos correntes relativos a transacções” e a garantir a livre circulação de capitais para investimento directo na Argélia e a repatriação de lucros, entre outras medidas destinadas a eliminar obstáculos e medidas discriminatórias no comércio entre o país do Magrebe e a União Europeia.

Numa primeira reacção, a Comissão Europeia pediu ao Governo de Argel que voltasse atrás na sua decisão. “A suspensão do tratado de amizade com a Espanha assinado em 2002 é extremamente preocupante e pedimos à Argélia que reconsidere”, disse Nabila Massrali, porta-voz europeia para os Negócios Estrangeiros e Segurança, sem se referir expressamente ao congelamento do comércio bilateral. Também o porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, exortou a Argélia a reverter uma decisão que considerou como “extremamente preocupante”.

Em Espanha, o presidente do Partido Popular, Alberto Núñez Feijóo, exigiu explicações ao Governo, dizendo estar à espera de um telefonema de Pedro Sánchez para ser informado dos efeitos imediatos da decisão argelina, nomeadamente as consequências para o fornecimento e preço do gás.

Para o líder do principal partido da oposição, a crise é da inteira responsabilidade do Governo, já que ao aceitar a integração do Sara Ocidental como província de Marrocos, Sánchez rompeu o equilíbrio entre Marrocos e Argélia. “Quando se perde o equilíbrio, os efeitos são iminentes”, disse Feijoo.

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