Kissinger apela ao Ocidente para não infligir derrota pesada a Moscovo e pede “sensatez” à Ucrânia

Ex-secretário de Estado dos EUA e antigo responsável pelas relações norte-americanas com a Rússia e a China durante a Guerra Fria discursou no Fórum Económico Mundial e pediu aos líderes ocidentais que se empenhem na “paz a longo prazo” e impeçam uma nova guerra com a Rússia.

Foto
Aos 98 anos, Kissinger discursou no Fórum Económico Mundial e pediu à Ucrânia que demonstre ter "tanta sensatez quanto heroísmo" WIN MCNAMEE

O antigo secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger apelou nesta terça-feira aos líderes ocidentais para pararem de tentar infligir uma pesada derrota às forças russas na Ucrânia, alertando para as consequências dessa investida na estabilidade europeia a longo prazo.

“As negociações têm de começar nos próximos dois meses, antes que surjam convulsões e tensões que não serão facilmente ultrapassadas”, afirmou no Fórum Económico Mundial, em Davos. “Idealmente, o limite deveria ser um regresso ao anterior statu quo. Avançar com os combates para além desse ponto não seria pela liberdade da Ucrânia, mas para uma nova guerra contra a Rússia.”

Kissinger sugeriu ainda que o Ocidente deve incitar a Ucrânia a aceitar negociações em termos que ficam muito aquém dos seus actuais objectivos de guerra. “Espero que os ucranianos demonstrem tanta sensatez quanto heroísmo.” Na sua perspectiva, o papel adequado para a Ucrânia é ser um Estado-tampão neutro, e não a fronteira da Europa.

Conhecido pelo seu papel diplomático na mediação das relações dos Estados Unidos com a União Soviética e a China durante a Guerra Fria, Kissinger alertou as nações ocidentais para o perigo que seria esquecerem-se do lugar ocupado pela Rússia na garantia da estabilidade europeia.

Vladimir Putin e Henry Kissinger encontraram-se em Moscovo, em Janeiro de 2012. ,Vladimir Putin e Henry Kissinger encontraram-se em Moscovo, em Janeiro de 2012. REUTERS/Alexsey Druginyn/RIA Novosti/Pool,REUTERS/Alexsey Druginyn/RIA Novosti/Pool
Em Outubro de 1974, poucos meses depois da Revolução, Henry Kissinger fez questão de deixar claras as suas preocupações a Mário Soares, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros: a influência comunista alastrava-se nas instituições do Estado, media e sindicatos, de tal modo que Portugal poderia estar perdido, na perspectiva ocidental. Acusou ainda Mário Soares de se tornar “um Kerensky português”. Quando Soares protestou e disse não querer tornar-se “um Kerensky”, Kissinger respondeu-lhe: “Kerensky também não queria.” Alfredo Cunha
Fotogaleria
Vladimir Putin e Henry Kissinger encontraram-se em Moscovo, em Janeiro de 2012. ,Vladimir Putin e Henry Kissinger encontraram-se em Moscovo, em Janeiro de 2012. REUTERS/Alexsey Druginyn/RIA Novosti/Pool,REUTERS/Alexsey Druginyn/RIA Novosti/Pool

No seu discurso em Davos lembrou que a Rússia foi essencial para a Europa durante quatro séculos e disse que os líderes europeus não devem perder de vista a relação a longo prazo com Moscovo, nem devem permitir a criação de uma aliança permanente entre Rússia e China.

Para o ex-diplomata norte-americano a guerra na Ucrânia poderá ainda mudar o mundo como o conhecemos: “A Ucrânia deveria ter sido uma ponte entre a Europa e a Rússia”, mas neste momento as relações entre países estão a ser redesenhadas e Moscovo poderá “alienar-se completamente da Europa e procurar uma aliança estável noutro lugar”, explicou.

Isto poderia esfriar de relações diplomáticas, à semelhança do que aconteceu nas décadas da Guerra Fria, e “anular décadas de progresso”, movidas pela realpolitik de Kissinger — ou pelo uso de medidas pragmáticas e flexíveis para responder aos desafios da política externa norte-americana. “Devíamos empenhar-nos na paz a longo prazo.”

Os comentários de Henry Kissinger surgem no momento em que se abrem brechas na aliança ocidental contra Vladimir Putin, à medida que se agrava uma crise alimentar, energética e económica global, e quando as sanções financeiras ao Kremlin podem ter atingido um limite.

Volodymyr Zelensky, também num discurso no Fórum Económico Mundial, alertou: “Este é o ano em que ficamos a saber se será a força bruta a governar o mundo.”

Sugerir correcção
Ler 108 comentários