A Lei de Bases do Clima não pode ficar no papel

Há 35 anos, Portugal aprovou a primeira Lei de Bases do Ambiente, mas deixou-a em várias matérias por implementar. A história julgar-nos-á se deixarmos acontecer o mesmo com a Lei de Bases do Clima.

Este foi o primeiro Dia Mundial da Terra celebrado após a aprovação da Lei de Bases do Clima. Esta é uma lei de valor reforçado que organiza as políticas de mitigação e adaptação e desenvolve novas arquiteturas de planeamento, avaliação e financiamento. É o garante que as políticas climáticas são mesmo executadas, com coerência e ambição. Foi, talvez, por isso que foi recentemente considerada pela professora Alexandra Aragão da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra como uma lei inovadora na Europa e talvez no mundo.

A implementação da Lei de Bases do Clima é, pois, instrumental para que Portugal continue a liderar na descarbonização. Se ainda faltassem alertas para a situação de emergência climática que vivemos, o último Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) atesta bem a necessidade dessa liderança, sob pena de tornarmos irreversível o caos climático, com enormes consequências económicas e sociais.

Este enorme desafio dificilmente estaria em melhores mãos do que as de Duarte Cordeiro. Demonstrou logo as suas capacidades, enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, trabalhando com o Grupo Parlamentar do PS no seu projeto de Lei de Bases do Clima e nas alterações que foram introduzidas e que o transformaram no texto único que foi aprovado.

Em apenas um ano (ou, dito melhor, no que resta dele), o Governo terá de criar o Portal da Ação Climática, fazer uma avaliação climática inicial do ordenamento jurídico nacional, rever o direito comercial e financeiro para considerar riscos e impactes climáticos, bem como adaptar o Orçamento de Estado e rever o património público afeto a atividades não-sustentáveis. Este terá também de ser o ano em que se revê o regime jurídico dos hidrocarbonetos, proibindo a sua prospeção e exploração, em que se proíbe os biocombustíveis com óleo de palma e se estipula Orçamentos de Carbono, definindo o plafond de emissões por períodos de cinco anos.

Há, porém, uma dimensão parlamentar da operacionalização desta lei de bases a não descurar. A Assembleia da República terá de passar a considerar o impacte climático em todas as iniciativas legislativas, como fez o Governo no último ano. O Parlamento terá de rever a Lei de Enquadramento Orçamental, assumindo a exigência do que está preconizado na lei de bases. A incorporação de cenários climáticos no quadro macroeconómico, por exemplo, está também a ser estudada pela Administração Biden, num projeto cujo desfecho é assumidamente a médio prazo. Por fim, a Assembleia da República tem de correr muito para avaliar impacte carbónico da atividade e funcionamento do Parlamento na última legislatura e cumprir com o desígnio de ser neutra em carbono até 2025. Esse esforço não pode ser só para o futuro, estando devido, no prazo de um ano da nossa tomada de posse, um relatório sobre o impacte carbónico da atividade e funcionamento do Parlamento na última legislatura.

O cerne da nossa estratégia legislativa está, porém, no Conselho para a Ação Climática – um órgão independente de base científica e com representação jovem para fiscalizar não só o cumprimento do que nos propomos fazer, mas também a adequada ambição das políticas públicas na fase do seu planeamento. É um seguro, de todos os cidadãos, contra o greenwashing, as boas intenções e as medidas vazias. O Parlamento tem de decidir urgentemente sobre a composição, organização, funcionamento e estrutura deste Conselho, para que ele possa ser constituído. Todavia, não o devemos fazer sem antes perceber que recursos serão necessários para satisfazer as vastas competências que lhe foram atribuídas, sob pena da sua inaceitável ineficácia.

Cabem-nos, pois, deputados à Assembleia da República, exigentes responsabilidades. O planeta não pode esperar por nós e as atividades poluentes certamente não esperam para continuar a emitir milhões de toneladas de gases de efeito de estufa. Há 35 anos, sob a batuta de Carlos Pimenta, Portugal aprovou a sua primeira Lei de Bases do Ambiente, mas deixou-a em várias matérias por implementar. A história julgar-nos-á se deixarmos acontecer o mesmo com a Lei de Bases do Clima e, com isso, deixarmos a humanidade, a natureza e o planeta a sufocar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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