Um milhão de residências secundárias de investimento imobiliário-turístico

A política pública falha na regulação da rentabilidade do investimento imobiliário-turístico, da flexibilidade da ocupação e da dinâmica da implementação territorial.

1. Em 2011 havia 1,1 milhões de alojamentos familiares ocupados como residência secundária, 18% do total do continente (INE). Eram 325 mil no Norte, 353 mil no Centro, 171 mil em Lisboa, 101 mil no Alentejo e 149 mil no Algarve. No recenseamento de 2021 os números não serão muito diferentes. É investimento imobiliário e turístico de famílias de classe média que visam utilização pelas próprias ou rendimento pelo arrendamento de curta duração a turistas, sempre na perspetiva de mais-valia em venda futura. A formação deste investimento e a política pública para fomentar a criação de valor são aqui abordadas.

2. As “casas de férias” nas praias de Moledo à Costa da Caparica são obra de residentes nos centros urbanos a distância fácil de automóvel. Para além destas, no Norte e Centro (62% do total) resultam do êxodo rural pela migração para o litoral dos anos cinquenta e emigração para a Europa dos anos sessenta.

A partir de 1962, as “casas de férias” no Algarve (14% do total) diferenciam-se por serem de famílias estrangeiras, grandes resorts de planeamento urbanístico privado e núcleos urbano-turísticos sem planeamento urbanístico público.

Entre 1960/2011, antes do boom turístico, 21 “freguesias antigas” do coração histórico de Lisboa perderam 68% a 82% da população residente. Em 2011, havia nelas 21,1 mil alojamentos de residência habitual, 4,5 mil de residência secundária e 9,8 mil alojamentos vagos. São 14,3 mil alojamentos a integrar a dinâmica da residência secundária para acolher o boom do turismo.

3. Com o tempo, a residência secundária pode passar a habitual do proprietário ou colocada em arrendamento urbano. A do emigrante passa a habitual no seu regresso. A residência habitual do migrante para o litoral passa a secundária, que herdeiros conservam ou vendem. Apartamentos turísticos do Algarve deixam de ser competitivos e passam para arrendamento urbano. São exemplos da flexibilidade indispensável à habitabilidade do alojamento ao longo de dezenas de anos.

4. A política pública falha na regulação da rentabilidade do investimento imobiliário-turístico, da flexibilidade da ocupação e da dinâmica da implementação territorial. Passados sessenta anos sobre os primeiros resorts do Algarve, ainda ninguém identificou, reconheceu ou procurou valorizar a imobiliária turística. A legislação do Alojamento Local visa o coração histórico de Lisboa e Porto, mas ignora a dinâmica imobiliária turística do milhão de residências secundárias. O Acórdão do STJ de 22 de Março passado é exemplo máximo de mais de meio século de legislação incapaz de regular a realidade e a exigir que esta nela se encaixe, mesmo com prejuízo do interesse publico.

Em síntese, grande oportunidade para sábia e inovadora política pública.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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