Centeno: poupança acumulada na pandemia ajuda a lidar com a inflação

Governador do Banco de Portugal defende prudência na resposta política à escalada dos preços, assinalando que, pela positiva, o aumento da poupança registado nos últimos anos pode ajudar.

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Mário Centeno defendeu que “é preciso ter muita cautela naquilo que são as actualizações salariais” Rui Gaudencio

Cautela nos aumentos salariais, aproveitamento das poupanças feitas durante a pandemia e medidas de apoio apenas de carácter temporário por parte do Estado. Esta é a receita dada por Mário Centeno para que a economia portuguesa possa, numa altura em que ainda está a recuperar da pandemia, ultrapassar a nova crise criada pela guerra na Ucrânia e pela escalada da inflação.

Na apresentação do boletim económico de Maio, onde o Banco de Portugal fez uma análise dos desenvolvimentos do ano passado, o governador deixou, nas respostas aos jornalistas, várias recomendações sobre a forma como a economia portuguesa saída da pandemia, “mais sustentável porque se conseguiu reconfigurar”, deve agora enfrentar os novos riscos que tem pela frente. Aquilo que se deve fazer agora, defendeu, é diferente do que foi feito durante a pandemia.

A começar pela decisão sobre quais são os agentes económicos que se têm de chegar à frente para assumir alguns dos custos da crise. “Em 2020, foi o Estado que aumentou o endividamento, e era assim que tinha de acontecer. Ao mesmo tempo, registou-se um aumento da poupança das famílias, que nos permite ter agora uma perspectiva positiva daquilo que pode acontecer neste choque”, afirmou Mário Centeno.

O governador tem, em várias ocasiões, mostrado o seu apoio à estratégia do Governo de, depois de ter deixado o défice e a dívida derraparem em 2020, apostar num recuo rápido destes indicadores. E dentro do Banco de Portugal acredita-se que, perante os desafios criados pela subida de preços e pelos efeitos das subidas das taxas de juro, existe alguma margem de manobra financeira nas famílias para, em média, fazer face às dificuldades.

Durante a pandemia, ao mesmo tempo que o Estado se endividava, as famílias portuguesas conseguiram em média acumular poupanças que, diz o relatório do Banco de Portugal, ainda não foram utilizadas no decorrer de 2021.

O eventual papel positivo que estas poupanças agora podem desempenhar fazem com que a actuação do Estado, desta vez, possa ser mais cautelosa, acredita Centeno.

Logo à partida, nos aumentos salariais que irá atribuir à função pública e que têm um efeito de contágio para o sector privado. Repetindo uma ideia que já tinha defendido noutras ocasiões, Mário Centeno defendeu esta quinta-feira que “é preciso ter muita cautela naquilo que são as actualizações salariais” e, assinalando que o actual fenómeno da inflação é ainda largamente motivado por factores de carácter temporário, acrescentou outro argumento para o Estado não responder imediatamente à perda de poder de compra que os seus trabalhadores podem vir a sentir este ano: “os aumentos de salários e do rendimento disponível não podem ser avaliados numa perspectiva de curto prazo. Não nos podemos esquecer que os salários médios em Portugal cresceram nos últimos seis anos muito mais que a inflação. A inflação cresceu abaixo de 5% e os salários médios cresceram muito próximo de 20%. É uma avaliação que não pode ser feita apenas no momento que estamos a viver”.

Para além disso, defendeu o governador do Banco de Portugal, medidas de grande dimensão e permanentes para fazer face a subidas de preços e a agravamentos das prestações dos empréstimos também não são desejáveis. “Não considero que medidas como moratórias sejam necessárias neste momento, não estamos com problemas de liquidez e existem mecanismos na política orçamental para, de forma temporária, poder actuar”, disse.

Entre esses mecanismos estarão, por exemplo, as medidas fiscais tomadas para mitigar as subidas de preços na energia. Ainda assim, mesmo aí, Mário Centeno alerta quanto ao risco de se confundir a resposta a subidas temporárias de preços com medidas que acabem por colocar em causa os objectivos da transição climática. “Devemos estar sempre atento àquilo que os preços nos revelam. E não tenho dúvida nenhuma que a transição climática é uma transformação estrutural no nosso comportamento. Não quer dizer que não se possam tomar medidas para mitigar os efeitos dos preços, mas seria um erro querer esconder essa pressão que tem a ver com a transição climática com medidas que possam prejudicar esse mesmo processo”, disse.

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