Cientistas reivindicam limites na produção de plástico até 2040

Carta na revista Science pede redução progressiva de plásticos virgens. Reivindicação é feita após decisão das Nações Unidas de adoptar tratado global para combater poluição.

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Menina a nadar em águas com resíduos plásticos nas Filipinas Francis Malasig/EPA

Um grupo internacional de cientistas publicou na revista científica Science, esta quinta-feira, uma carta aberta a exigir um tecto máximo que limite a produção mundial de plástico até 2040. A reivindicação é feita na sequência da decisão das Nações Unidas de avançar com um tratado global para combater a poluição provocada pelos plásticos. As negociações entre os diversos países-membros devem começar já no final de Maio.

“Não está claro se o tratado vai incluir quotas de produção [de plástico virgem] ou mesmo cobrir a questão dos químicos [presentes nesse material]. Apesar da intromissão da indústria e das objecções colocadas pelos Estados Unidos e outras delegações, é crucial a redução de plásticos na origem através da limitação da produção”, lê-se na carta assinada por nove especialistas filiados a diferentes institutos e universidades.

A ideia de escrever a missiva foi de Melanie Bergmann, investigadora no Instituto Alfred Wegener do Centro Helmholtz para a Investigação Polar e Marítima, na Alemanha. A cientista contou com ajuda de especialistas da Alemanha, Índia, Noruega, Suécia, Turquia, do Reino Unido, Canadá e dos Estados Unidos para a elaboração do texto que defende a eliminação progressiva da produção de novos plásticos a partir de matérias-primas virgens.

“Ficámos muito felizes com o resultado da reunião da quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5), em Fevereiro, que adoptou a proposta ambiciosa de um tratado do plástico que considere todo o ciclo de vida deste material”, explicou Bergmann ao PÚBLICO. A felicidade da cientista é, contudo, emoldurada por um optimismo cauteloso.

“Um relato da Reuters, publicado pouco antes da UNEA-5, destacou que a indústria tentou pressionar por uma proposta menos ambiciosa. Estamos preocupados que esta pressão se repita ao longo dos dois anos em que decorrerá o processo de negociação. Por isso, queríamos deixar bem claro que os dados científicos mostram a necessidade de um limite progressivo na produção de novos plásticos, além de medidas como melhor circularidade e gestão de resíduos”, afirma Bergmann.

A actual produção mundial de plásticos é de cerca de 450 milhões de toneladas por ano. Estima-se que este número dobre até 2045. “Mesmo se reciclássemos melhor e tentássemos gerir os resíduos de um modo mais eficientes, ainda assim estaríamos a libertar mais de 17 milhões de toneladas por ano na natureza. Se a produção continuar a aumentar indefinidamente, estaremos diante de uma verdadeira tarefa de Sísifo”, refere Bergmann. Na mitologia grega, Sísifo é obrigado a impulsionar uma enorme pedra até ao cimo de uma montanha. Sempre que chega ao cume, a rocha desce pela encosta abaixo. Daí a comparação da tarefa de Sísifo com o esforço de combater a poluição causada por polímeros que não param de ser produzidos: um trabalho inútil.

“O crescimento exponencial da produção é de facto a raiz do problema, e a quantidade incrível de plásticos que produzimos até agora já ultrapassou as fronteiras do planeta”, refere num comunicado Bethanie Carney Almroth, da Universidade de Gotemburgo, Suécia. “Se não atacarmos [o problema na origem], todas as outras medidas previstas não atingirão o objectivo de reduzir substancialmente a libertação desse material na natureza”, afirma a cientista.

Se pesarmos todo o plástico existente hoje, o valor obtido será superior à massa de todos os animais marinhos e terrestres que vivem no planeta, refere a missiva da Science. Torna-se então “impossível” garantir que este volume monumental de matéria plástica, assim como as substâncias químicas ali presentes, é seguro. A variedade e a quantidade produzida anualmente excedem a capacidade das autoridades de avaliar os riscos e problemas associados ao sector, referem os autores na carta.

“Os poluentes plásticos alteraram os processos vitais do sistema terrestre numa extensão que excede o limite sob o qual a humanidade pode sobreviver no futuro (isto é, o limite planetário). Uma vez que os plásticos no ambiente se fragmentam, dando origem a micro e nano partículas, esta forma de poluição é definitiva e irreversível”, lê-se na missiva.

Redução promove justiça ambiental

A presença de plásticos na natureza traz inúmeros desafios. Além dos riscos para a saúde humana e ambiental, o ciclo de vida do plástico é responsável por 4,5% das emissões actuais de gases. E pode ainda consumir 10 a 13 % do “orçamento global de carbono” que temos disponível para “gastar” com responsabilidade até 2050. O conceito de “orçamento de carbono”, muitas vezes citado nos relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), refere-se a um valor total de carbono emitido que é consistente com o aquecimento global limitado a 1,5 graus Celsius.

A carta na Science refere ainda que a regulação, limitação e, a longo prazo, a eliminação da produção de novos plásticos traz não só benefícios ambientais, mas também sociais e económicos. A produção em massa fomenta a transferência de resíduos plásticos do hemisfério Norte para o Sul, o que “constitui uma ameaça substancial para comunidades marginalizadas ou vulneráveis, assim como para o local onde vivem”, lê-se na missiva.

“O limite na produção de plástico vai facilitar a eliminação da utilização de plásticos nos [produtos] não essenciais e, consequentemente, a exportação de lixo plástico”, afirma num comunicado Sedat Gündoğdu, especialista da Universidade de Cukurova, na Turquia, e co-autor da carta.

“O plástico também oferece benefícios, mas a redução da produção deste material vai acabar por aumentar o seu valor económico, dar impulso a outras medidas para mitigar a poluição, ajudar combater as mudanças climáticas e promover a transição para uma economia circular e sustentável”, acrescenta Martin Wagner, toxicólogo ambiental da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, também signatário da missiva.

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