Uma “decisão histórica”: ONU avança no tratado global para acabar com poluição pelos plásticos

Um comité internacional de negociação ficou incumbido de, até 2024, definir as normas daquele que é o tratado multilateral mais importante desde o acordo climático de Paris, segundo a organização. O documento pretende impor restrições à escala global nas várias etapas do ciclo de vida dos plásticos.

Foto
Reuters/JOHANNES CHRISTO

A Organização das Nações Unidas (ONU) deu mais um passo em direcção ao combate à poluição causada pelo plástico, aprovando esta quarta-feira, 2 de Março, uma decisão que dá luz verde à elaboração do primeiro tratado internacional para regular o ciclo de vida destes resíduos, a uma escala global.

Esta “decisão histórica” surge no âmbito da quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5), que decorreu entre segunda-feira e quarta-feira em Nairobi, a capital queniana, sob o mote “Reforçar as Acções para a Natureza a fim de Alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”.

Nesta sessão, que juntou ministros do Ambiente, chefes de Estado, grupos empresariais e diversos outros representantes de 175 países, ficou definido um comité internacional de negociação que estará encarregue de elaborar um tratado “juridicamente vinculativo” até 2024. Este documento, que tem o objectivo ambicioso de pôr um fim à poluição associada ao plástico, contemplará as várias etapas do ciclo de vida deste material, incluindo assim a sua produção, o design, o uso e também a fase de eliminação.

Trata-se do acordo ambiental mais relevante a nível global desde que foi estabelecido o acordo climático de Paris em 2015, segundo Inger Andersen, a directora executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP), citada no comunicado que se pode ler no seu site oficial. “Ao embarcarmos nesta viagem, sejamos claros na medida em que este acordo só contará verdadeiramente se tiver normas claras e que sejam juridicamente vinculativas”, sublinha a directora executiva.

Alguns países, como o Japão e a Índia, não queriam que o acordo fosse juridicamente vinculativo, preferindo que fosse meramente voluntário, mas o voto a favor da maioria das nações – entre as quais todos os países da União Europeia – pôs um ponto final à discussão.

Ainda não se conhecem as políticas em concreto que vão constar deste tratado, estando marcadas as primeiras discussões para Maio. Com base na sessão da UNEA, é possível avançar mesmo assim que se ambiciona estipular metas a nível nacional que terão depois de ser monitorizadas e comunicadas em relatórios. Também está planeado existir uma ajuda financeira aos países mais pobres, bem como uma transferência de tecnologia para melhorar a forma como estes países tratam os seus resíduos, de acordo com o Die Zeit.

Não está prevista, por outro lado, uma proibição do uso de determinados artigos descartáveis – como a World Wide Fund for Nature (WWF) tem vindo a apelar , uma vez que não se conseguiu chegar a acordo nesta questão. Pelo que a meta principal passa por reduzir ao máximo o uso de plástico e privilegiar um lifecycle approach, isto é, ter em atenção todas as etapas que envolvam o material – e o mais rapidamente possível porque se prevê que a quantidade de plástico venha a quadruplicar até 2050.

Interesses económicos à mistura

Certo é também que este acordo, uma vez em vigor, acarretará duras restrições na forma de produzir e tratar o plástico. É por isso que um dos agentes que mais se terá de reinventar são as indústrias petroquímicas – que estão na base do fabrico de plásticos. Também largamente afectados ficarão todos os serviços que privilegiem actualmente as embalagens descartáveis, como as cadeias de supermercado.

Foto
Uma “decisão histórica”: ONU avança no tratado global para acabar com poluição pelos plásticos REUTERS/MONICAH MWANGI

Posto isto, há vários interesses económicos a contemplar nesta matéria, o que pode vir a ser um entrave na busca de uma solução, concluiu-se na UNEA. Segundo a AFP, é visível, no entanto, uma vontade de mudar por parte de vários grupos empresariais, até porque houve grandes empresas produtoras de plástico da China e dos EUA que participaram e contribuíram para a aprovação do acordo nesta quinta sessão da UNEA.

Ainda antes da sessão foi publicado um manifesto que contou com o apoio de cerca de 70 multinacionais (como a Coca-Cola e a Ikea, por exemplo) a apelar às Nações Unidas para que avancem nas negociações em torno de um tratado internacional. “É necessária uma resposta internacional coordenada, que alinhe as empresas e os governos através de um entendimento comum das causas da poluição pelos plásticos e uma abordagem clara para as abordar”, lê-se no documento.

Das 400 milhões de toneladas de plástico que são produzidas por ano, 300 milhões caem directamente em aterros sanitários e 11 milhões acabam nos oceanos, segundo dados da ONU. Números preocupantes que mostram como “a poluição pelos plásticos se tornou ela mesma uma epidemia”, resumiu o presidente da UNEA-5 e também ministro do Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide.

Sugerir correcção
Comentar