Cinco estragos que as alterações climáticas fazem na saúde humana

A saúde do planeta, dos animais e das pessoas estão interligadas — são “uma só saúde”. O PÚBLICO ouviu especialistas e seleccionou exemplos de como a crise climática pode afectar a vida e o bem-estar dos portugueses — da higiene pessoal à nutrição, passando até pelas emoções.

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Nelson Garrido

A crise climática não se resume mais a um problema ambiental, é hoje também uma questão de saúde pública. A saúde foi, aliás, considerada uma das áreas científicas prioritárias da COP26, a mais recente Cimeira do Clima, realizada em Glasgow em Novembro de 2021 uma atenção muito diferente da que a Cimeira de Copenhaga, em 2009, dedicou ao tema: uma única referência em 200 páginas. Para as Nações Unidas, está na hora de pararmos de pensar separadamente na saúde das pessoas, dos animais e do planeta. Estas três esferas estão interligadas e formam “uma só saúde”. E, por isso mesmo, os estragos que as alterações climáticas podem causar na natureza estendem-se à população humana: da malnutrição às epidemias, passando por doenças respiratórias, oncológicas e até mentais.

O interesse académico pela relação entre as alterações climáticas e a saúde humana está em franco crescimento. O número de publicações anuais sobre o tema sextuplicou ao longo de uma década, indica um relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) que avalia as lacunas e as tendências nesse campo de investigação. Entre 2008 e 2019, o número de artigos científicos que se debruçam sobre a intersecção entre saúde e clima passou de 58 para 373. Elaborado por ocasião da COP26, o documento aponta, contudo, para a necessidade de diversificar as geografias e os temas estudados, assim como de desagregar os dados por sexo e de considerar as comunidades mais vulneráveis.

Susana Paixão, professora do Instituto Politécnico de Coimbra e presidente da Federação Internacional de Saúde Ambiental, foi uma das especialistas internacionais que forneceram contributos para o relatório da OMS. “As pessoas finalmente estão mais sensíveis à ligação entre saúde e ambiente. Quando cheguei aqui [ao Instituto Politécnico de Coimbra], há mais de 20 anos, era muito mais difícil comunicar a interdependência entre as duas áreas”, afirma Susana Paixão.

Sabia que...

...no relatório da Cimeira do Clima de Copenhaga, realizada em 2009, a “saúde” foi citada apenas uma vez num documento com cerca de 200 páginas? Na edição de 2021, em Glasgow, a saúde já foi considerada uma das áreas científicas prioritárias. 

Para a investigadora, “o desastre nuclear de Tchernobyl, em 1986, despertou a sociedade para as questões de saúde ambiental dentro da União Europeia”. “Foi como um clique”, define Susana Paixão, que considera uma triste coincidência que agora, décadas depois, voltemos a falar de saúde na Europa por causa de um novo evento trágico na Ucrânia. “Esta guerra é um factor ambiental também, que tem impacto no preço dos alimentos, na questão energética e na migração de populações – tudo isto está interligado e tem repercussões na saúde humana”, refere a professora.

A OMS estima que, entre 2030 e 2050, as alterações climáticas causem aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano com resultado da malnutrição, malária, diarreia e ondas de calor. “A ciência é inequívoca: um aumento global de 1,5 graus Celsius acima da média pré-industrial e a perda contínua de biodiversidade trazem o risco de malefícios catastróficos para a saúde que serão impossíveis de reverter”, alertaram os cientistas num editorial conjunto publicado em 2021 em mais de 200 revistas científicas dedicadas à saúde pública, incluindo a Lancet, a BMJ e o WHO Bulletin.