Ora quero ser magra, ora desejo ser feliz…

Regressar ao passado ou imaginar o futuro não resolvem o presente, nem colocam na linha o meu “corpo marca branca”. Mas dá-me vontade de rir para com os meus botões.

Foto
Caroline Veronez/Unsplash

Em tempos que já lá vão, almejei ter um “corpinho Danone”. Foi mais ou menos no tempo em que os animais falavam e as galinhas punham ovos de ouro que tive tamanha pretensão. Se calhar, estive mais próxima do que pensava de atingir o meu objetivo, mas é como tudo na vida: só quando nos vemos realmente longe daquilo que desejávamos é que nos apercebemos de que, no tempo em que os animais falavam e as galinhas punham ovos de ouro, afinal não estávamos assim tão mal quanto na altura imaginávamos.

Na altura, ainda estávamos sob o desígnio da insatisfação, desfiando as palavras de Mário de Sá Carneiro “Um pouco mais de sol — eu era brasa / um pouco mais de azul — eu era além”, como se de um mantra se tratasse. E não, não digam que estamos a comparar as preocupações comezinhas de uma simples mortal com as angústias de um génio maior. A única justificação plausível que me ocorre para desvalorizar tamanha apreensão é apenas uma: quem o faz é porque nunca experimentou um biquíni naqueles provadores com umas luzes cruéis que maximizam a celulite, duplicando ou até mesmo triplicando o efeito casca de laranja que coloca a autoestima de qualquer mulher pelas ruas da amargura.

Confesso que nunca percebi como é que, numa sociedade de consumo como aquela em que vivemos, em que nos querem levar a comprar tudo e mais um par de botas, ainda não conseguiram inventar umas luzes mais amigáveis para iluminar os provadores das lojas de biquínis. Na verdade, a crueza daquela iluminação não me parece um grande incentivo ao consumo; antes pelo contrário… É que aquelas luzes tão cruas dão vontade a uma mulher desatar a fugir a sete pés, abdicando da compra de todo e qualquer biquíni, com o intuito de se converter ao uso da burca durante toda a estação estival.

Bem, mas falava eu no tempo em que almejava ter um “corpinho Danone”, durante o qual, se não tivesse perdido tanto tempo a estar insatisfeita com a minha imagem, talvez tivesse tido mais tempo para estar bem comigo própria. Mas, como o tempo não volta atrás, as expetativas baixaram até à época em que passei a desejar ter um “corpo Longa Vida”, um desígnio bem mais compatível com a minha condição. O único problema é que, se entrei no ginásio com essa meta, quando saí, depois de muito transpirar, a minha fasquia já estava bem mais baixa: apenas ambicionava ter um “corpo marca branca”. Ou seja, o meu corpo.

No entanto, posso confessar que isso de me pacificar com o meu corpo tem dias. Há dias e dias… Noutro dia, terminei um almoço de domingo com uma máxima inventada no momento, depois de um ou dois copos de vinho, obviamente proibidos nas dietas: há dias em que quero ser magra… e há outros em que desejo ser feliz! Pois, naquele domingo estava mais próxima de desejar ser feliz e talvez esquecida, com a ajuda dos dois copos de vinho, que antes do almoço ainda ambicionava ser magra.

Acho que o problema não é meu. Como poderia ser meu? A culpa não pode morrer solteira — tem de ser de alguém ou de algo exterior a mim própria. Pensando bem, acho que a culpa é de ter nascido na época errada. Se tivesse vivido na altura de Rubens, seria considerada magra e, quiçá, até fosse incentivada a engordar. Se recuarmos no tempo até à pré-história, o que dizer da comparação com as deusas da fertilidade? Saíria a perder, pela certa! Necessitaria de comer uns quantos bisontes para me poder aproximar do ideal de beleza vigente.

Na impossibilidade de regressar ao passado, dedico-me a imaginar um futuro glorioso no qual a gordura voltasse a ser considerada formosura, e as magricelas que se alimentam à base de folhas de alface como os grilos tivessem de ingerir grandes quantidades de bolas de Berlim com creme, quer gostassem ou não. Não é que eu queira o mal das outras… claro que não! Longe de mim tal ideia!

Estou consciente de que não me servem de nada estes pensamentos. Regressar ao passado ou imaginar o futuro não resolvem o presente, nem colocam na linha o meu “corpo marca branca”. Mas dá-me vontade de rir para com os meus botões. E se rir não resolve nada, na verdade ajuda muito. Pelo menos nos dias em que desejo ser feliz; porque nos dias em que quero ser magra, trata-se mais de humor negro. É assim. E já não sei se vai mudar.

Sugerir correcção
Comentar