Novo Banco lucra 184,5 milhões e pede ajuda de mais 209 milhões

Banco da Lone Star justifica pedido de injecção relativo ao ano passado com o impacto de um mecanismo de tributação de imóveis introduzido Orçamento de Estado. Fundo de Resolução mantém que “não é devido” qualquer pagamento relativo a 2021.

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A idoneidade de António Ramalho está na mira do Banco Central Europeu. LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O Novo Banco pôs fim em 2021 à espiral de prejuízos que acumulou desde a sua criação em 2014 e fechou o último exercício com um lucro de 184,5 milhões. Um valor que sucede a quatro exercícios consecutivos com prejuízos anuais superiores a mil milhões de euros desde a sua venda à sociedade norte-americana Lone Star. Apesar do resultado positivo, a gestão de António Ramalho decidiu pedir nova injecção ao Fundo de Resolução, desta vez na ordem de 209,2 milhões de euros, que pode elevar estas ajudas aos 3,6 mil milhões de euros.

Na base deste pedido, conhecido esta quarta-feira, está uma provisão relacionada com um passivo que o Novo Banco considera que está ao abrigo do mecanismo de capital contingente, decorrente de uma alteração fiscal prevista no Orçamento do Estado de 2021.

Assim, diz a instituição em comunicado, o Novo Banco “registou até 31 de Dezembro de 2021 um reforço de imparidades e provisões no montante de 352,7 milhões de euros (incluindo a imparidade adicional no âmbito do contexto covid-19 e a provisão para um passivo contingente relacionado com tributação de imóveis introduzido pelo Lei do Orçamento do Estado de 2021)”. É esta provisão que justifica um novo pedido de injecção de capitais com cobertura do Estado.

Em conferência de imprensa, António Ramalho explicou como se desdobra este pedido de ajuda, revelando que o valor mais significativo – de 116 milhões de euros – está relacionado com uma contingência fiscal relativa a taxas agravadas de imóveis com “determinadas características”, segundo cita o Observador.

Em causa, segundo o Eco, está uma lei proposta pelo PEV segundo a qual as taxas do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) deverão ser agravadas sempre que as empresas visadas tenham ligação a jurisdições offshore. E, neste caso, a Autoridade Tributária considera que os donos do Novo Banco – Lone Star, através da Nani Holdings – gerem fundos em paraísos fiscais. O Novo Banco contesta esta interpretação mas, diz Ramalho, se tiver de pagar, considera que deve ser o Fundo de Resolução a cobrir.

Os restantes montantes do pedido de capital dizem respeito a novas divergências contabilísticas (53 milhões de euros) que já decorrem há vários exercícios com o Fundo de Resolução e a “outras necessidades” (40 milhões).

Deste modo, prossegue o banco em comunicado, “o montante de compensação a solicitar com referência a 2021, de 209,2 milhões de euros (…) teve em conta as perdas incorridas nos activos cobertos pelo Mecanismo de Capitalização Contingente, bem como as condições mínimas de capital aplicáveis no final do mesmo ano”.

Refira-se que a almofada criada na venda da instituição aos norte-americanos da Lone Star para suportar a evolução do Novo Banco pode ser accionada por duas razões: quando os activos incluídos neste mecanismo provocam perdas directas nas contas do banco (carteiras vendidas por uma fatia residual do seu valor contabilístico, por exemplo) ou quando a solidez da instituição baixa de um patamar mínimo definido no momento da venda à Lone Star.

Nos principais indicadores de solidez, o Novo Banco fechou 2021 com um rácio CET 1 de 11,1% e o rácio de solvabilidade total situa-se em 13,1%, valores que estão, no entanto, abrangidos pela flexibilidade permitida aos bancos para absorver o impacto da pandemia na economia. No entanto, essa flexibilidade definida pelo BCE não abrange o mecanismo de capital contingente, pelo que se o rácio CET 1 ficar abaixo dos 12% - como ficou - o Novo Banco pode tentar accionar uma nova injecção de capital para repor este indicador no valor mínimo.

Sobre a possibilidade de uma injecção, o Fundo de Resolução referiu, há menos de um mês, através de fonte oficial do Banco de Portugal, que “as contas preliminares estão em análise, [e] estão ainda sujeitas a alguns factores de incerteza. Ainda assim, é possível reafirmar-se, com base nos dados disponíveis, a forte convicção de que não seja devido qualquer pagamento pelo Fundo de Resolução relativamente às contas de 2021”.

Entretanto, já depois de apresentadas as contas esta quarta-feira, fonte oficial do Fundo de Resolução voltou a reafirmar que “apesar da insuficiência de capital apurada pelo Novo Banco, os dados disponíveis confirmam o entendimento do Fundo de Resolução de que, em cumprimento do Acordo de Capitalização Contingente, não é devido qualquer pagamento relativamente às contas do exercício de 2021”.

Primeiro lucro anual da história

Os resultados positivos do Novo Banco foram crescendo ao longo de todo o ano de 2021 e explicam-se, essencialmente, pela limpeza do balanço operada ao longo dos exercícios anteriores, que se reflecte numa descida de 70% do volume de imparidades e provisões face ao ano anterior, pelo reconhecimento de uma perda de 300 milhões em 2020 com Fundos de Restruturação (coberta pelo Fundo de Resolução) que deixou de penalizar as contas em 2021, e pela melhoria dos resultados operacionais.

Na base desta melhoria do desempenho operacional está o aumento de 3,5% do produto bancário comercial para 855,9 milhões de euros, impulsionado pela melhoria da margem financeira e dos serviços a clientes (comissões cresceram 4%). Em paralelo, as operações financeiras também contribuíram positivamente para os resultados do banco, ao passo que o banco continuou a baixar os custos operativos. Tudo isto, num exercício em que as imparidades sofreram uma redução significativa depois da limpeza de créditos problemáticos operada nos últimos anos com a ajuda do Fundo de Resolução.

Durante o ano passado, o crédito do Novo Banco a empresas e particulares continuou a encolher, em resultado de novas vendas de carteiras de crédito problemático. Já no que diz respeito à captação de depósitos de clientes, verificou-se um crescimento de 4,7% em 2021.

O Novo Banco fechou o ano com menos 389 trabalhadores (para um total de 4193) e o número de balcões foi reduzido em 48 para 311 agências.

Divergências continuam

Desde que existe o mecanismo que permite ao Novo Banco reequilibrar as contas com o recurso ao financiamento do Fundo de Resolução, e cobertura do Estado, António Ramalho já usou 3,4 mil milhões da almofada total de 3,89 mil milhões. Um caminho percorrido entre divergências contabilísticas com o Fundo de Resolução – a mais recente, de 112 milhões em 2021, acabou por dar razão ao banco – e polémicas políticas, com contornos judiciais.

As divergências contabilísticas - que correm num tribunal arbitral - chegam aos 165 milhões e têm impedido, na perspectiva do Novo Banco, a instituição de atingir os indicadores de solidez exigidos. Entre todas, a principal diz respeito ao impacto de 147 milhões que a descontinuação da operação espanhola, antes mesmo da sua venda formalizada, teve na chamada de capital do ano passado.

Foi esta fatia da injecção que o antigo gestor do Novo Banco, Vítor Fernandes, classificou de “saque ao fundo” em conversa com outro administrador, de acordo com as escutas da Operação Cartão Vermelho. Uma investigação do Ministério Público que destapou a proximidade entre a gestão do banco e um dos seus maiores devedores, o antigo presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira. E também as movimentações da gestão de António Ramalho para incluir diversas operações e dívidas nas chamadas de capital realizadas com cobertura pública. A idoneidade de Ramalho está a ser avaliada pelo Banco Central Europeu na sequência desta investigação.

Sobre este tema, o presidente-executivo do Novo Banco referiu esta quinta-feira que “não há fotografias minhas com Luís Filipe Vieira, acho que toda a gente já percebeu que relação nunca existiu”.

No mecanismo de capital contingente ainda restam quase 500 milhões de euros para utilizar sempre que o Novo Banco ficar abaixo dos níveis de solidez exigidos. A última vez que o Fundo de Resolução bloqueou uma parte de uma injecção - 112 milhões de euros, por razões contabilísticas, no ano passado -, acabou por pagá-la, fixando a injecção de 2021 nos 429 milhões de euro (o banco havia pedido quase 600 milhões).

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