É difícil salvar a face quando se perde respeitabilidade

A tibieza do governo chinês em condenar abertamente a invasão da Ucrânia, um acto bárbaro, prepotente e ilegal à luz da Carta das Nações Unidas, que coloca em crise a segurança europeia e mundial, não contribui para a credibilidade da China, um membro do Conselho de Segurança da ONU.


Se havia quem tivesse dúvidas relativamente à posição chinesa em matérias de respeito pela soberania de todos os Estados e pelos princípios de direito internacional constantes da Carta da ONU, a crise ucraniana veio remover essas dúvidas e destacar a incoerência da sua posição e a forma como esta oscila em função dos seus interesses conjunturais. Nesse ponto, os comunistas portugueses são bem mais convictos no convívio com a duplicidade e na aceitação da opressão putinesca.

De acordo com o Global Times, um tablóide ao serviço do Partido Comunista Chinês, o conselheiro de Estado e MNE da China, Wang Yi, clarificou a posição do seu país afirmando que “China maintains that the sovereignty and territorial integrity of all countries should be respected and protected and the purposes and principles of the UN Charter should be earnestly observed. This position of China is consistent and clear-cut, and applies equally to the Ukraine issue.”[1]

Se, como daqui parece resultar, a China respeita a integridade territorial de todos os países, incluindo da Ucrânia, seria de esperar que, quando há um país que é invadido pelas forças militares de outro por razões de natureza exclusivamente política, isso implicasse uma condenação imediata dessa intromissão, com a defesa da reposição do statu quo ante e um convite às partes em conflito para resolverem o diferendo num quadro diplomático, directamente por si ou com recurso à mediação ou conciliação de países terceiros.

Isso mesmo pareceria evidente das palavras do Presidente Xi Jinping, para quem “a comunidade internacional devia fazer esforços concertados para promover a paz e o desenvolvimento”, acrescentando que “a procura de soluções políticas é o caminho adequado para resolver uma sequência interminável de pontos internacionais inflamados”. E em abono do seu pensamento enfatizava que “estas questões devem ser abordadas de forma adequada e razoável”. “Exercer pressão não funcionará, e a intervenção militar externa piorará as coisas. Tanto a ONU quanto o resto da comunidade internacional devem aderir a soluções políticas para todos os conflitos.” (Xi Jinping, Work Together for Mutually Beneficial Cooperation, The Governance of China, p. 275).

Se isto era verdade antes, por que razão agora deixou de o ser?

Ao contrário do que aconteceu na Bielorrússia, em que o estacionamento de tropas e de equipamento militar de assalto russo surgiu com o acordo do ditador Lukashenko, os batalhões russos, blindados e aviões de combate que desde há vários dias ocupam e fustigam a Ucrânia não o fazem a convite do governo legítimo de Kiev, mas contra a sua vontade e comportando um custo desmesurado em vidas humanas e em termos económicos e sociais, quer para o povo ucraniano quer para a própria Rússia e o resto da Europa. E essa intervenção, que não se ficou pelo Donbass, também não aconteceu para proteger minorias russas, depor um governo “fantoche” não reconhecido pela comunidade internacional ou que se preparasse ou estivesse já a cometer actos de genocídio.

Até agora, a China recusou-se a condenar explicitamente a invasão da Ucrânia. O que desde logo me leva a pensar se a entrada de 150 mil soldados do Vietname no Kampuchea, em 25 de Dezembro de 1978, também terá sido, para a perspectiva chinesa, uma verdadeira invasão, ainda que aí justificada pelo invasor para colocar um ponto final a um dos maiores massacres colectivos da história recente da humanidade.

Uma invasão é o acto ou efeito de invadir. Invadir é uma entrada hostil na propriedade, no território ou sobre os direitos de outrem. E a China evitou usar o termo, tal como recomendado pelo Serviço Federal de Supervisão das Comunicações, Tecnologia Informática e Comunicação Social, em Moscovo. E de que se tratou de uma invasão, ou de uma “operação militar especial” não autorizada pelo direito internacional, só Putin e os estados vassalos da Rússia contestam.

E se isso é assim, então por que motivo a China, embora dizendo defender a integridade territorial da Ucrânia, se absteve na votação do Conselho de Segurança da ONU que visava exactamente condenar, com todas as letras, a violação dessa integridade e a invasão russa? Não é essa posição contraditória e incoerente?

Em matéria de condenação da violência não pode haver duplicidade de critérios. E não há razões securitárias, interesses estratégicos ou económicos que possam justificar a chacina de um povo.

A tibieza do governo chinês em condenar abertamente um acto bárbaro, prepotente e ilegal à luz da Carta das Nações Unidas, que coloca em crise a segurança europeia e mundial, não contribui para o reforço da credibilidade internacional da China.

Essa atitude, que vai contra todas as palavras anteriores do seu Presidente, retira-lhe estatuto e seriedade. E faz-nos duvidar da sua capacidade, enquanto membro do Conselho de Segurança da ONU, para ser uma peça influente e confiável no xadrez internacional.

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