Os posts são as balas do ministro Mikhailo Fedorov

Na última semana, vários gigantes da tecnologia derrubaram velhos tabus: não se intrometerem na política interna; nas relações entre países; ou na guerra. Com simples posts em tom desafiador, o ministro mais novo do Governo ucraniano, Mikhailo Fedorov, desencadeou uma avalanche de decisões contra a Rússia até há pouco impensáveis.

Foto
Mikhailo Fedorov tem 31 anos e foi um dos principais rostos da campanha que levou Zelenskii ao poder Pavlo_Bagmut/Ukrinform/Future Publishing/Getty Images

Há seis meses, Mikhailo Fedorov, um dos vice-primeiros-ministros da Ucrânia, fez uma tournée por Silicon Valley, nos EUA, para investigar e debater a transformação digital no seu país. Nessa altura, fez um post no Facebook com uma fotografia onde aparecia abraçado ao CEO da Apple, Tim Cook, em Palo Alto, Califórnia, elogiando-o como “o gestor mais eficiente do mundo”. Na terça-feira, Fedorov mandou uma mensagem a Cook menos efusiva: bloqueie o acesso à App Store na Rússia. “Eles matam os nossos filhos; agora mate-lhes o acesso!”, escreveu num tweet, identificando o patrão da Apple nesse post.

Enquanto os mísseis russos caíam sobre a Ucrânia, Fedorov lançava a sua própria campanha de pressão, “tuitando” sobre algumas das empresas de tecnologia mais poderosas do mundo, pedindo-lhes que travassem a propaganda russa e que desligassem a Rússia do resto do mundo. Neste processo, tornou-se o principal agitador de uma indústria sempre relutante em ceder a pedidos políticos relacionados com qualquer país ou conflito — mais, Fedorov alcançou esse feito sem a promulgação de qualquer lei ou sem usar qualquer tipo de influência económica.

De acordo com o seu vice-ministro, Alex Borniakov, Fedorov pressionou cerca de 50 empresas com pedidos de ajuda, enquanto a sua equipa trabalhava nos bastidores com uma rede de emigrantes ucranianos e reguladores de outros países para fazer com que as empresas agissem de facto. E essa pressão está a dar resultados: desde que Fedorov começou a enviar tweets depois da invasão russa na semana passada, o Facebook e o YouTube deixaram de transmitir os media estatais russos e a Google desactivou algumas ferramentas do Google Maps para garantir a segurança de cidadãos ucranianos. Na terça-feira, depois do tweet de Fedorov dirigido a Cook, a Apple anunciou que suspenderia todas as vendas de produtos na Rússia.

“A sua capacidade para galvanizar a opinião internacional através das empresas de tecnologia é extraordinária”, disse Emerson Brooking, um especialista do think tank norte-americano Atlantic Council que estuda a maneira como as redes sociais são usadas na guerra.

Fedorov, o ministro mais novo da Ucrânia, com 31 anos, mostrou como domina a arte do apelo online — até mesmo quando decidiu obter ajuda do mais controverso tweeter da indústria de tecnologia, Elon Musk. Meses antes da invasão, a equipa de Fedorov não conseguiu encontrar-se com Musk, segundo Borniakov. No sábado, o gabinete de Fedorov fez mais um pedido com a arma que tem mais à mão: o Twitter. “@elonmusk, enquanto tenta colonizar Marte, a Rússia tenta ocupar a Ucrânia!”, escreveu num tweet, pedindo ao CEO da Tesla que enviasse sistemas de Internet via satélite Starlink, um meio fundamental para garantir que os ucranianos continuem online.

No mesmo sábado, Musk respondeu que os satélites estavam a caminho. Na segunda-feira, Fedorov respondeu que os sistemas já tinham chegado.

Armados com telefones

Antes de as tropas russas invadirem a sua terra natal, Fedorov liderava um ministério com cerca de 250 funcionários, cuja principal tarefa era ligar ainda mais os ucranianos à Internet, digitalizar passaportes, criar empregos e levar empresas de alta tecnologia para a Ucrânia. Foi nomeado para o cargo depois de ajudar Volodimir Zelensky, Presidente da Ucrânia, a obter uma vitória esmagadora nas eleições de 2019.

“A primeira vez que ouvi falar de Fedorov foi quando Zelensky estava a construir a sua campanha eleitoral digital na Ucrânia. Foi ele que liderou essa campanha e, basicamente, o sucesso foi de tal ordem que levou Zelensky à Presidência”, diz Denys Gurak, um empresário norte-americano de origem ucraniana que na última semana tem ajudado o Governo de Kiev a contactar empresas de tecnologia dos EUA.

O trabalho de Fedorov como ministro antes da invasão também foi um sucesso, tendo ajudado a a que fossem adoptadas ferramentas online para passaportes de vacinas contra o coronavírus, disse Gurak.

Ao longo de seu mandato, Fedorov viajou por todo mundo, encontrando-se regularmente com funcionários das principais empresas de tecnologia. No final do Verão do ano passado, durante uma visita à sede da Apple, na Califórnia, com Zelensky, o ministro conversou com Cook sobre a hipótese de abrir uma Apple Store na Ucrânia, sobre como é que a Apple poderia ajudar nos censos e sobre como é que a empresa poderia ajudar a alargar a oferta educativa e os cuidados de saúde no país. Todos estes detalhes foram revelados num post no Facebook sobre a visita. As páginas de Fedorov no Twitter, Instagram e Facebook dão conta de reuniões com o serviço digital britânico, com a Amazon, com a executiva do Facebook Sheryl Sandberg e com Karan Bhatia, vice-presidente da Google para assuntos governamentais.

Foto
Mykhailo Fedorov apresenta a estratégia para a Transformação Digital da Ucrânia, em Kiev, em Fevereiro de 2021 Volodymyr Tarasov/ Ukrinform/Future Publishing via Getty Images

Até que aconteceu a invasão da Rússia e tudo mudou.

“Assim que a guerra começou, entrámos em contacto com eles imediatamente, mas com uma agenda diferente”, disse Borniakov. Agora, a partir de um local não revelado, longe dos ataques em Kiev, Fedorov, Borniakov e o seu núcleo duro estão a levar a cabo uma campanha global. No meio de alertas de bombardeamentos, trabalham à vez em abrigos e caves, sendo o telefone a sua principal ferramenta. Segundo Borniakov, nesta terça-feira cerca de metade da equipa do ministério ainda se apresentava ao trabalho. Depois do início da invasão, a principal tarefa passava por proteger as infra-estruturas mais importantes contra ataques cibernéticos e garantir que os serviços digitais do Governo se mantivessem a funcionar. A seguir, começaram a pensar como poderiam pressionar grandes empresas a punir a Rússia.

Tendo em conta que algumas empresas mudaram as suas regras sobre propaganda russa durante o último fim-de-semana, Fedorov respondeu em tempo real. No domingo, agradeceu ao presidente de assuntos públicos do Facebook, Nick Clegg, por tomar medidas para restringir os media estatais russos, mas classificou essa decisão como um “primeiro passo”. E acrescentou: “Não há lugar para criminosos de guerra no Metaverso”. Ao longo do dia, Fedorov manteve a pressão comparando publicamente as respostas das empresas.

“A Meta está a preparar-se para acabar com as mentiras russas. Para quando o @YouTube?”, escreveu num tweet na segunda-feira. Na manhã de terça-feira, o YouTube anunciou que seguiria a Meta (novo nome da empresa que gere o Facebook) nas restrições aos media estatais russos na Europa.

Fedorov fez também apelos directos à comunidade de criptomoedas, pedindo às principais plataformas digitais de compra, venda e troca que bloqueiem utilizadores russos e instando as principais empresas de cartões de crédito a bloquear serviços na Rússia.

“Vão arder todos no Inferno”

De acordo com Borniakov, uma equipa do ministério está em constante comunicação com funcionários de empresas como a Google, a Apple ou a Meta, que já confirmou que Fedorov e Clegg trocaram emails na terça-feira. O ritmo de trabalho tem sido intenso: “É como uma conversa ao vivo; a cada duas horas surge algo novo e nós estamos a tentar reagir”.

A Apple recusou comentar a sua reunião de Setembro com Fedorov, mas disse que está “em comunicação com governos relevantes sobre as medidas que estão a ser tomadas”. Um porta-voz do Google recusou fazer qualquer comentário. A Netflix e a Amazon não responderam aos pedidos de comentários. Funcionários da Starlink reuniram-se com Fedorov antes da invasão, disse o porta-voz da SpaceX, James Gleeson. Fedorov não estava disponível para uma entrevista, e o ministério que lidera encaminhou o The Washington Post para Borniakov.

Mesmo enquanto trabalham, a escalada da guerra está a cobrar-lhes um preço ao nível pessoal. Entre memes a pedir às pessoas doações para um fundo que permita enviar o Presidente russo, Vladimir Putin, para espaço e posts a pressionar o Spotify e a Apple Music, Fedorov partilhou uma fotografia dos danos que, segundo ele, resultaram de dois dias de bombardeamentos russos na sua cidade natal. “Vocês vão arder todos no Inferno”, escreveu na legenda da imagem.

A pressão agressiva e constante através das redes sociais de Fedorov e do resto do Governo ucraniano ajudou-os na antecipação à Rússia na guerra da informação, disse Brooking. “A maneira como ele usou o Twitter e a maneira mais ampla que ministérios ucranianos e políticos individualmente usaram essas plataformas demonstra que perceberam desde o início [da invasão] que esta também seria uma guerra de informação — eles estavam prontos.”

A conta institucional do Twitter de Fedorov tem agora mais de 211 mil seguidores, quando, há um ano, tinha 98.

Outros governos ocidentais e grupos da sociedade civil juntaram-se a Fedorov para aumentar a pressão sobre os gigantes da tecnologia para lidar com as operações de informação russas. O senador norte-americano Mark Warner, por exemplo, mandou cartas a pedir às grandes empresas para aumentar as suas ferramentas contra a desinformação russa, e líderes da União Europeia pressionaram gigantes da tecnologia para suspender os media ligados a Moscovo.

Foto
A conta institucional do Twitter de Fedorov tem agora mais de 211 mil seguidores, quando, há um ano, tinha 98 Sergii Kharchenko/NurPhoto via Getty Images

Em contracorrente, executivos de tecnologia, defensores da liberdade na Internet e alguns especialistas em redes sociais rejeitaram os pedidos de Fedorov para cortar serviços digitais a cidadãos russos. Com os media estatais russos a divulgar artigos sem sustentação e enganosos sobre o seu ataque à Ucrânia, as plataformas de redes sociais podem ser uma das únicas fontes onde os russos podem aceder a reportagens independentes sobre a guerra ou a organizar dissidência contra ela.

“Limitar o acesso do povo russo a informações independentes deixa-o apenas com a propaganda estatal, que actualmente os incita à guerra com a Ucrânia”, disse Natalia Krapiva, consultora jurídica de tecnologia da ONG Access Now. Entretanto, nesta sexta-feira, o regulador de comunicações da Rússia, o Roskomnadzor, anunciou o bloqueio no país do Facebook e do Twitter. Isto depois de já ter suspendido canais de televisão e rádios independentes a operar no país, como a TV Rain e a rádio Eco de Mocovo. A par destas restrições, foram também suspensas as emissões e sites de informação de meios internacionais como a britânica BBC e a alemã Deutsche Welle.

O regulador das comunicações justifica a decisão com a discriminação que afirma estar a acontecer contra a Rússia nas redes sociais e nos media internacionais.

Nick Clegg, executivo da Meta, disse na terça-feira que a empresa não concorda com os pedidos do Governo ucraniano para desactivar o acesso às suas redes sociais. “Enquanto esta guerra continuar, achamos que é essencial que os russos possam usar os nossos serviços para se exprimirem, organizarem, protestarem e chegarem a familiares e amigos em toda a comunidade”, disse Clegg durante uma conversa com jornalistas.

Para Borniakov, suspender as redes sociais aos cidadãos russos levaria os jovens daquele país, que querem usar as plataformas sociais e smartphones, a questionar o seu Governo e a invasão russa. O objectivo final de uma medida deste tipo, defende o vice-ministro, é contribuir para a vitória na guerra, virando a opinião do próprio povo russo contra Putin e o seu Governo. “É preciso fazer com que a comunidade empresarial e o povo russos sintam o que nós estamos a sentir”, disse Borniakov. “Se tudo estiver bem na Rússia, as pessoas não começarão a fazer perguntas. Mas quando as grandes plataformas e toda a sociedade civil começarem a agir, isso será um sinal para eles de que as acções do seu Governo são inaceitáveis.”


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Sugerir correcção
Ler 14 comentários