Sr. primeiro-ministro: por favor, arrume de vez as florestas!

Dê-lhes a estabilidade, a organização e a estrutura necessárias para uma gestão sustentada ao longo dos tempos, pois em resultado da desarticulação e constantes alterações dos últimos anos, ardeu um milhão de hectares de arvoredo, perderam-se muitas vidas humanas, e quase desapareceu a nossa “jóia da coroa”, a Mata Nacional de Leiria.

Sr. primeiro-ministro, agora que V. Exa está reorganizando o seu Governo e os ministérios, tenha a gentileza de considerar o que passo a expor.

Nos últimos 30 anos o setor florestal foi fértil em mudanças de organização e tutela, isto num segmento em que a produção florestal, por ser naturalmente de crescimentos muito lentos, passa por várias gerações, interessando por isso estabilidade na sua gestão e administração.

Durante mais de 100 anos e até 1993 os então denominados Serviços Florestais (SF) encontravam-se organizados regionalmente por Circunscrições que integravam Administrações Florestais (AF) locais, com técnicos, guardas e pessoal florestal devidamente dimensionado.

Para além disso havia orçamentos anuais atribuídos pelos serviços centrais, resultando daí obra feita, de que se destaca a arborização dos baldios das serras do interior e das areias e dunas do litoral, a criação de viveiros florestais, a abertura de estradas e caminhos rurais, a correção torrencial em algumas bacias hidrográficas e a proteção de arvoredos.

Subitamente, em 1993, num Governo de Cavaco Silva, aquela organização florestal foi extinta e, desde então, houve sucessivas alterações, cada qual pior que a anterior, parecendo que não se sabe o que se fazer com um setor de importância vital para o país, dado que sensivelmente 1/3 da área de Portugal está arborizada e uma área similar está a matos e incultos, boa parte da qual com aptidão florestal.

Da reforma de 1993 resultou a criação de Delegações Florestais em substituição das Circunscrições, Zonas Florestais em vez das AF, com áreas de intervenção diferentes, sedes noutras cidades.

Em 1996 eis que surge nova reforma, mais radical, agora já no Governo de António Guterres, visto que houve o desmantelamento daquilo que foram os SF, sendo os Serviços Florestais Regionais (SFR) integrados nas Direções Regionais de Agricultura (DRA), ficando em Lisboa os Serviços Florestais Centrais (SFC), mas agora sem serviços descentralizados.

Nas DRA passou a haver uma Direção de Serviços das Florestas com três divisões, o que era manifestamente pouco face às atividades a desenvolver, as quais eram competência da anterior estrutura regional e local.

Em 1998 a Guarda Florestal, que até aí prestava serviço nas Matas Nacionais e nos baldios, passou a depender única e exclusivamente dos SFC, deixando de trabalhar onde sempre estiveram os seus agentes.

Em 2003, ano de grandes incêndios, eis que surge nova reforma no setor florestal, agora com o Governo de Durão Barroso, resultando daí que os SFR regressaram à casa-mãe, ou seja passaram de novo a depender dos SFC em Lisboa, mas a Guarda Florestal não mais regressou às Matas Nacionais e aos baldios.

Passou a haver uma organização florestal regional e local diferente e muito diminuta relativamente à que existiu até 1996, a que se somou uma redução contínua de recursos humanos, devido à aposentação de funcionários sem que houvesse novas admissões, designadamente de técnicos e de assistentes operacionais.

Deixou de haver orçamentos atribuídos aos SFL e capacidade de decisão destes, os quais estavam no terreno e podiam decidir melhor em função das reais necessidades dos espaços florestais que o Estado sempre administrou, ou seja as Matas Nacionais e os baldios, agora já também com responsabilidades acrescidas de acompanhamento e intervenção na floresta privada.

Em 2005, novamente ano de grandes incêndios, fica a saber-se que a GF, até aí muito descomandada, passa no ano seguinte para a tutela da Guarda Nacional Republicana, sendo José Sócrates primeiro-ministro e V. Exa ministro da Administração Interna.

Em 2012, no Governo de Passos Coelho, os SF, na ocasião identificados por Autoridade Florestal Nacional, são fundidos com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, dando origem ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), situação que se mantém.

Este serviço, durante alguns anos teve duas tutelas, pois dependia do Secretário de Estado do Ambiente e dos Secretário de Estado das Florestas, solução deveras inovadora.

O ano de 2017 foi o pior ano de incêndios de que há registo, pois perdeu-se mais de uma centena de vidas humanas e arderam centenas de milhares de hectares de floresta, tendo a Mata Nacional de Leiria, uma referência da silvicultura nacional, sido percorrida pelo maior incêndio da sua longa história de 700 anos, vendo arder 86% da sua área em pouco mais de seis horas.

Em 2019 o ICNF passou a depender somente do Ministério do Ambiente, enquanto anteriormente sempre integrou o Ministério da Agricultura, desde que este foi criado em 1918, tendo recentemente sido apresentada uma proposta de Plano de Gestão para a Mata Nacional de Leiria que desvirtua por completo aqueles que foram os seus objetivos de gestão ao longo dos séculos.

Aquela proposta, que esperamos que seja alterada, determina a redução em 44% da área de produção de madeira da Mata Nacional e, em contraponto, um aumento de 319% da área de proteção, o que é incompreensível, pois a Mata Nacional de Leiria foi sempre um espaço de produção de madeira de pinheiro bravo de grandes dimensões e qualidade para consumo no país, e não dispomos de outra espécie madeireira.

Sr. primeiro-ministro, por favor, arrume de uma vez por todas as florestas, dando-lhes estabilidade, organização e a estrutura necessárias para uma gestão sustentada ao longo dos tempos, pois em resultado de toda a desarticulação e constantes alterações que referi anteriormente ardeu um milhão de hectares de floresta, perderam-se muitas vidas humanas, e quase desapareceu a nossa “jóia da coroa” como era designada a Mata Nacional de Leiria, coisa impensável até há alguns anos atrás.

Muito obrigado.

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