Temos de ser exigentes

António Costa e o seu Governo têm tudo a seu favor. Uma maioria confortável, um Presidente defensor da estabilidade e que compreende os problemas do país e um Parlamento disposto a exercer as suas funções de forma responsável. Têm uma responsabilidade acrescida em relação a muitos dos governos anteriores.

Esqueçamos as eleições e deixemos a análise dos seus resultados para os especialistas nessas matérias. Eles nos explicarão, com tempo, o crescimento da direita revolucionária e dos liberais radicais, o apagamento dos democratas cristãos, a estagnação do PSD, a hecatombe dos destroços das extremas-esquerdas, o definhamento contínuo dos comunistas e finalmente a esmagadora concentração de votos num partido que tem a designação de socialista mas que na realidade é um partido social-democrata à semelhança do que existe na maior parte dos países da Europa ocidental.

Aguardemos pela opinião de quem estuda e sabe o que diz. Felizmente ainda temos entre nós quem tenha essas características.

Deixemos também como temas transitórios as vice-presidências do Parlamento, a sobrevivência do CDS, a liderança do PSD ou a gestão da derrota das esquerdas.

Aquilo de que poucos falam e que deve ser a nossa maior preocupação tem a ver com os desafios e as dificuldades que o país tem e que a nova maioria e o seu Governo vão ter necessariamente que enfrentar e resolver.

O que interessa neste momento são os desafios e os problemas que esperam António Costa e o seu Governo porque serão certamente essas questões que preocupam a maioria dos portugueses.

Nesta perspetiva, com a maioria de que o Governo dispõe no Parlamento, temos de ser, pela primeira vez , muito exigentes com o trabalho que vai ser realizado e sobretudo logo à partida, com as áreas de intervenção e as prioridades que vão ser assumidas no programa de governo para a legislatura.

O país tem problemas que se arrastam há alguns anos e que ainda ninguém teve a coragem de enfrentar. Nos últimos anos foi notória a dificuldade dos partidos das “esquerdas” em lidar com o problema central do crescimento económico que nunca foi uma prioridade, dada a posição ideológica que PCP e Bloco têm e sempre tiveram, em perceber que a riqueza se cria nas empresas e que é a iniciativa privada que comanda e dinamiza a inovação, a criatividade, o aumento da produção e daí a criação de emprego o aumento dos salários e a melhoria do bem-estar das populações.

O primado da economia é neste momento uma prioridade a par dos grandes desafios que o país tem no combate à pobreza e na luta contra as desigualdades. Desigualdades que existem e se acentuaram com a pandemia que teve consequências diretas na economia das famílias e nas condições de vida de largas camadas da população.

Mas as prioridades não se esgotam apenas na dinamização da economia, através do investimento, da digitalização, da formação profissional, da melhoria da gestão, do aumento da produtividade e de uma melhor ligação entre quem produz conhecimento e quem o deve aplicar nas empresas.

Passam igualmente por áreas que têm manifestamente debilidades e fragilidades gritantes como a justiça, a saúde, a educação de infância, as políticas para o desenvolvimento do interior, os apoios à investigação científica, o modelo de transição energética ou a sustentabilidade da Segurança Social, sem referir uma vez mais a lei eleitoral, que começo a perder a esperança de ver alterada mesmo depois de muitas promessas de diferentes partidos, em que se inclui o partido que agora domina a maioria no Parlamento.

Para quem não é especialista nas questões da justiça, assusta ver as notícias sobre os processos em curso ou sobre as questiúnculas entre magistrados, para não referir os megaprocessos ou os casos em que os juízes mandam para casa delinquentes que ateiam fogos ou criminosos que maltratam as mulheres com quem vivem.

Acresce que sem uma justiça a funcionar, a economia não tem condições para poder prosperar. É difícil investir quando não se confia no sistema de justiça.

No caso da saúde, que é hoje mais do que nunca um sector chave para o bem estar de todos e para o reforço da nossa coesão social, parece claro que o país pode e deve otimizar os recursos de que dispõe, sejam estes os que estão na dependência do Estado através do SNS ou os que sejam pertença de entidades do sector privado ou das diferentes instituições do sector social.

A luta pela defesa do ambiente, que inclui como passo decisivo a prossecução de uma política de transição energética consistente e exequível, constitui igualmente uma área a que deve ser dada alta prioridade. Pode não ser fácil, mas é imperioso que sejam tomadas medidas com impacto e em consonância com o que foi assumido como prioridade ao nível europeu.

Haverá seguramente muitas outras prioridades a definir, mas ninguém compreenderá que casos específicos como a localização de um novo aeroporto, o destino da TAP, a estratégia para o mar ou as ligações ferroviárias não sejam finalmente decididos e postos em prática.

Para que todas estas questões possam ser equacionadas o Governo tem necessariamente que se concentrar no essencial e deixar de lado as pequenas lutas que tanto têm consumido os nossos políticos nos últimos anos.

António Costa e o seu Governo têm tudo a seu favor. Uma maioria confortável, um eleitorado em que cerca de 70% dos votantes votou em partidos moderados do centro, um Presidente da República defensor da estabilidade política e que compreende bem os problemas do país e um Parlamento que na sua maioria está disposto a exercer de forma responsável as suas funções de escrutínio e vigilância da atividade governativa.

Têm portanto uma responsabilidade acrescida em relação a muitos dos governos anteriores.

O Governo não vai ter desculpas, nem vai poder alegar que não tem condições para fazer o que interessa ao país.

Acresce que, depois de uma crise que ninguém desejava, a maior parte das pessoas está cansada da pequena política e quer ver os seus problemas resolvidos.

Por isso vamos todos ter de ser muito exigentes com a governação, cientes de que o Governo só não fará bem se não quiser e se o souber fazer sem arrogância e em diálogo constante com outros partidos e com os representantes da sociedade civil.

Creio sinceramente que é possível, mas aguardo com muita expectativa tanto a constituição do Governo com o programa que vai ser apresentado na Assembleia da República.

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