Quando a alienação parental começa antes da separação

Existem mães que decidem autoritariamente ter o domínio sobre os filhos e decidem ilegitimamente privar, excluir o pai de cuidar e educar os seus filhos.

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Pais e mães que não deixam o outro envolver-se nas rotinas do cuidar dos filhos entendem que esta é uma tarefa exclusiva sua, ignorando as várias consequências que a ausência da paternidade pode trazer ao desenvolvimento infantil ADRIANO MIRANDA

Ao longo do meu percurso profissional, como psicóloga, encontrei muitos pais/mães vítimas de alienação parental, com vários perfis. Hoje quero comentar a situação de alguns destes pais, quando ainda vivem juntos. Acolhemos os testemunhos de vivências de quatro pais que revelam o seu desespero e impotência por não os deixarem ser pais, tendo sido excluídos da sua normal paternidade, sem o perceberem, mesmo antes de os filhos nascerem.

Por exemplo, para Hugo, quando ainda estava casado, o processo de alienação parental em relação à sua filha Ana “começou mesmo antes do nascimento”. “Durante a gravidez, o cuidado com as recomendações que o obstetra recomendara não foram seguidos; aos poucos dias de nascimento da Ana, começou o verdadeiro processo de alienação, com idas ao médico pediatra sem aviso do pai, recusando-se a ir na presença do pai” (Hugo).

O ser pai (paternidade) e o ser mãe (maternidade) são sentidas de modo diverso. Em famílias como estas de que vos falo hoje, existem mães que decidem autoritariamente ter o domínio sobre os filhos e decidem ilegitimamente privar, excluir o pai de cuidar e educar os seus filhos. No caso de Hugo, “o pai que quis estar com a Ana todos os dias”, houve “contacto reduzido, de uma forma irregular e sempre na vontade da mãe — ora porque a criança estava a dormir, ora porque só a poderia ver nos horários que convinham à mãe”. Pais e mães que não deixam o outro envolver-se nas rotinas do cuidar dos filhos entendem que esta é uma tarefa exclusiva sua, ignorando as várias consequências que a ausência da paternidade pode trazer ao desenvolvimento infantil.

Ambos os pais devem cuidar dos seus filhos de forma igualitária, partilhando as responsabilidades e tarefas dos seus cuidados e educação (coparentalidade). Ambos os pais devem estar presentes no processo de construção da relação com o seu bebé (cuidar, pegar, embalar, adormecer, cantar, dar banho, alimentar, vestir e despir, brincar, trocar a fralda…), porque é através destas experiências que se constrói a vinculação.

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Elena Fomina/Getty Images

Há pais/mães que não permitem a participação do pai no cuidado dos filhos, como descreve um pai impedido de estar presente na rotina de adormecer: “O estabelecimento de horários forçados de sono da Ana, em horas em que o pai não estaria” (Henrique). Ou na hora do banho: “O que foi acontecendo foi que, quando chegava a casa, a criança já estava de banho tomado, chegando eu a ter de fazer uma calendarização dos dias em que podia ser eu a dar o banho. E, mesmo nesses dias, havia sempre uma desculpa para eu ter de ir ao supermercado ou outra coisa qualquer que me retirava de casa o tempo suficiente para que, quando chegasse, ela já se tivesse antecipado nessa tarefa” (José).

O abuso emocional através da alienação parental é uma forma de violência doméstica que se produz através da adoção intencional e ativa de comportamentos por parte da mãe/pai, que privam o outro pai/mãe, como relata este pai: “Cedo comecei a sentir que a nossa filha tinha mais mãe que pai, já que a mãe estava naturalmente presente, como eu, em todos os momentos da sua vida, mas ela de uma forma quase patológica, fosse para as rotinas da higiene e do sono, fosse para a alimentação e amamentação, que viria a prolongar-se até aos três anos, sempre de mama (nunca experimentou biberão e até chucha)” (Manuel).

Há pais/mães que não “autorizam” que os filhos possam conviver com outros familiares significativos, como é o caso dos avós paternos. Estes pais e mães assumem-se como exclusivos proprietários dos filhos, decidindo sozinhos as regras da parentalidade: “Comecei a querer participar no processo de dar a comida à bebé, mas também isso era impossível, para mim ou para qualquer outro ser humano. Ninguém, absolutamente ninguém, via a minha filha comer. Dizia a mãe que ela só comia com ela e não podia ver mais ninguém. Isto acontecia fosse em casa de quem fosse, dos meus pais, sogros …” (José).

Os pais/mães, depois de muitas tentativas de fazer parte das rotinas diárias dos filhos, começam a sentir-se excluídos e a sentir uma vivência familiar que não é saudável: “Foi quando a minha primeira filha fez um ano que tive a certeza que os comportamentos da mãe da minha filha não eram normais” (José). Filhos e pais são privados da relação: “A situação ficou francamente mais hostil quando me tentei impor, dizendo que, no dia seguinte, estando de folga, queria e levaria a minha filha a passear ao parque. Momentos como esse foram onde percebi que realmente era uma situação patológica e o que estava a viver não era algo normal” (José).

Muitos mães/pais que vivem nestes relacionamentos alienantes, destrutivos, não sabem como lidar com eles, porque não reconhecem o abuso de que são alvo e, como tal, não pedem ajuda profissional. Desesperados, pedem ajuda para receber o apoio profissional de peritos: “O pai intentou pedir ajuda a outros, a mãe recusou-se a ter apoio fosse de quem fosse e entre os peritos contactados não falou com ninguém” (Hugo). Ou mesmo apoio psiquiátrico: “Com vista a encontrar a melhor forma de lidar com as crises da mãe, com comportamento muito alterado da personalidade, que evoluíram de períodos mensais para quase diárias, no final, recorri a aconselhamento psiquiátrico” (Manuel). Este problema é agravado quando os pais/mães alienantes não reconhecem os problemas que geram com os seus comportamentos e não aceitam o apoio.

Um pai vítima deste processo assinala a morosidade do problema e o sofrimento causado: “Somente ao cabo de quase um ano a viver assim, chegando à conclusão de que, quanto mais eu tentava tocar no assunto e reverter a situação — chegando mesmo a falar na hipótese de terapia para o casal —, mais a situação se deteriorava no sentido em que mais ela me agredia, quer verbalmente, quer em episódios de violência física, ou como seja usar a convivência com a minha filha como se fosse um mero espectador. O enaltecer que a criança só a queria a ela, que nem sabia dizer ‘pai’” (José).

Num processo de alienação parental, um dos pais tem atitudes e comportamentos que visam afastar injustificadamente o filho do outro, privando-o da sua relação de vinculação com ele: “Pouco tempo de filha restava para o pai, porque a mãe assumia por inteiro todo o encargo de estar presente em todas as atividades, mesmo as lúdicas dos passeios, das refeições fora, de visitas a familiares e amigos, de festas. A mãe fazia questão de estar omnipresente e evitava sempre a possibilidade de o pai privar tempo com a filha ou propor um programa de saída a dois, incluindo durante as noites de sono, já que a nossa filha dormiu entre os dois até, também, aos três anos, por opção determinada e inegociável da mãe, muito difícil de combater” (Manuel).

O divórcio ou separação não resolvem estes abusos, muito pelo contrário, produz comportamentos ainda mais alienantes, intensificando-os.

Hoje, a nossa mensagem é a de que os pais não podem ignorar estes comportamentos abusivos, nunca devem desistir de lutar pelos filhos vítimas de alienação e que procurem o apoio especializado que possa ajudar a alcançar esse objetivo, para o bem-estar de todos: “Esta é a história da Ana, a única que ela tem, e tão importante é a comum sensibilização dos pais que não existe diferença ou zanga mais importante do que cada dia do crescimento da nossa menina, porque o tempo não para, e é agora que ela precisa de nós, como vai precisar muito mais tempo” (Henrique). Ou como refere outro pai: “A minha conclusão de todo este pesadelo é que uma criança, acima de tudo, as crianças precisam dos pais e das mães” (Diogo).

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