Entre o teclado e a cadeira

Uma lição a retirar destes últimos tempos é a de que a disrupção do normal funcionamento das redes e sistemas de informação pode ter um impacto profundo no asseguramento de serviços essenciais — da saúde ao sector bancário.

As redes e os sistemas de informação são a força motriz da nossa sociedade ou, melhor, o seu predicado. A sociedade da informação — complexa, frenética e global — só o chega a ser por se ancorar nas novas tecnologias, nomeadamente nas redes e nos sistemas de informação, tornando-se por isso indissociável do mundo digital.

Mundo digital esse que, com a sua essencialidade e omnipresença, nos está de tal forma entranhado que o tomamos por adquirido, em especial por aqueles que nunca experienciaram o pré-www ou o pré-smartphone. Daí que, por vezes, se torne difícil a percepção da sua relativa fragilidade, a não ser quando somos confrontados com a sua ausência.

Uma lição a retirar destes últimos tempos é a de que a disrupção do normal funcionamento das redes e sistemas de informação pode ter um impacto profundo no asseguramento de serviços essenciais — da saúde ao sector bancário. Não se trata propriamente de uma novidade no contexto global, pois de há muito que noutros países se assiste a (ciber)ataques similares, mas a frequência, intensidade e visibilidade pública dos eventos recentes no nosso território é, para dizer o mínimo, significativa.

Se as gigantes tecnológicas podem tornar-se vítimas, o que pode fazer o cidadão comum, o líder de uma PME, o advogado ou o director de uma escola? Sem qualquer pretensão de exaustão de possíveis remédios, é necessário, desde logo, ter a noção clara que incidentes de cibersegurança não se resolvem com a aquisição de hardware e/ou software de ponta. Na verdade, o investimento em soluções tecnológicas de prevenção ou mitigação de ciberataques constitui, em grande medida, um desperdício de dinheiro se, ao seu lado, não houver uma forte aposta na sensibilização e na formação das pessoas para que sejam evitados comportamentos de risco no ciberespaço.

Nunca é demais enfatizar que, não raras vezes, o ponto de maior fragilidade na segurança informática de um sistema situa-se entre o teclado e a cadeira. Não tenhamos dúvidas ou ilusões. A exploração de vulnerabilidades humanas é infinitamente mais rápida, eficaz e barata do que as suas congéneres tecnológicas e este estado de coisas não é algo que vá mudar por si mesmo, de forma progressiva e natural, como se de um problema geracional se tratasse.

Ora, o mito dos nativos digitais é isso mesmo: um mito! Não é o desaparecimento dos migrantes digitais que ocasionará subitamente um incremento exponencial da segurança e resiliência digitais da nossa sociedade. Pelo contrário. A crença comum que associa uma maior destreza e adaptabilidade no manuseamento das novas tecnologias a uma (suposta) clarividência dos perigos e riscos que estas carregam consigo (e consequentemente adopção de comportamentos defensivos) é precisamente o que nos pode atirar para uma espiral de insegurança.

Por isso, a literacia digital não é “coisa de informáticos": é para todos e de todos.

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