Planeamento fiscal abusivo ou agressivo e transparência fiscal

O planeamento fiscal não é, em si mesmo, um acto ilícito, mas sim de poupança fiscal, de boa gestão tributária, através do qual o contribuinte procura obter uma vantagem fiscal, sendo um dever de um gestor diligente.

Existe uma íntima relação entre planeamento fiscal, corrupção e transparência.

A questão do planeamento fiscal e dos respectivos limites está hoje, mais do que nunca, na ordem do dia, especialmente desde o novo fôlego que foi dado aos trabalhos sobre estas temáticas com o Relatório de 2013 Base Erosion and Profit Shifting, da OCDE (Relatório BEPS), que tem vindo a inspirar os trabalhos da fiscalidade internacional, nomeadamente na União Europeia.

O planeamento fiscal não é, em si mesmo, um acto ilícito, mas sim de poupança fiscal, de boa gestão tributária, através do qual o contribuinte procura obter uma vantagem fiscal, sendo um dever de um gestor diligente. Como o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo sucessivamente a afirmar, os objectivos exclusivamente fiscais são comercialmente válidos.

Mas a questão consiste em saber até que ponto o planeamento fiscal é ou não lícito. Se há casos óbvios de crimes ou contraordenações fiscais, outros há que estão nos limites.

A dificuldade consiste em saber qual a fronteira entre o acto legítimo de planeamento fiscal e o acto abusivo que conduz a vantagens fiscais patológicas, i.e, saber quais os limites ao planeamento fiscal e, por outro lado, quais os limites aos limites ao planeamento fiscal.

O Decreto-lei n.º 29/2008, que entrou em vigor a 15 de Maio de 2008, aprovou a legislação do planeamento fiscal abusivo ou agressivo, inspirando-se nos modelos existentes à data noutros países como nos Estados Unidos, no Reino Unido, no Canadá, e na África do Sul. O objectivo deste diploma consistiu em reforçar a eficácia no combate à fraude e evasão fiscais, regular o exercício da consultoria fiscal agressiva e diminuir os custos administrativos da fiscalização, prevendo especiais deveres de comunicação, informação e esclarecimento à Autoridade Tributária (AT) por parte de consultores fiscais e entidades financeiras de esquemas pré-fabricados de planeamento fiscal “agressivo” para oferta a clientes. Neste contexto foram publicados no site da AT 13 esquemas ou actuações considerados como planeamento tributário abusivo e, na maioria dos casos, concluía-se que poderia ser aplicada a cláusula geral antiabuso actualmente prevista no artigo 38.º, n.º2, da Lei Geral Tributária. Nos dois primeiros anos foram efectuadas 81 comunicações que passaram a uma média de seis anuais, tendo depois a AT deixado de publicar estatísticas.

Por imperativos da União Europeia, aquele diploma foi revogado pela Lei n.º 26/2020, de 21 de Julho, que estabelece a obrigação de comunicação à AT de determinados mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal, transpondo a Directiva (UE) 2018/822 do Conselho, de 25 de Maio de 2018, conhecida por DAC 6.

A directiva institui um regime que assenta essencialmente:

  • a) na obrigação de comunicação às autoridades tributárias dos Estados-membros (EM) dos mecanismos indiciadores de potencial risco de evasão fiscal – “mecanismos de planeamento fiscal potencialmente agressivos” – que apresentam estrutura transfronteiriça, por respeitarem a mais do que um EM ou a um EM e um país terceiro;
  • e b) na troca automática (e obrigatória) das informações entre as autoridades tributárias de todos os EM.

Resultou assim um regime jurídico novo de comunicação obrigatória à AT de mecanismos que contenham determinadas características-chave tipificadas e consideradas como indiciadoras de um potencial risco de evasão fiscal (“hallmarks”), como um alargamento das situações abrangidas pela anterior legislação. Está incumbido dessa obrigação de comunicação o “intermediário” ou o “contribuinte relevante”.

Em aplicação da nova legislação, de acordo com a AT, até 31 de Outubro de 2021 tinham sido recebidas 119 comunicações, na sua maioria envolvendo operações transfronteiriças (só 16 se reportam a operações internas), e comunicadas pelos próprios contribuintes que adoptaram os esquemas fiscais (só 33 casos foram comunicados pelos consultores fiscais). A estas, somaram-se mais 235 comunicações provenientes de 14 países europeus, principalmente das autoridades fiscais alemãs, francesas, neerlandesas e luxemburguesas.

As 119 comunicações feitas por entidades com residência fiscal em Portugal, estão, na sua maioria, relacionadas com operações que convertem rendimento em capital (ou outra forma de baixar a tributação) ou com pagamentos que, no país de destino, pagam menos impostos.

No site da AT estão divulgados três tipos de mecanismos utilizados neste contexto recomendando-se igualmente a aplicação da cláusula geral antiabuso:

  • Conversão de pagamento de dividendos em pagamento de dívida a sócio;
  • Utilização de doação de acções para evitar ou reduzir a posterior tributação de mais-valias que resultem da alienação das mesmas;
  • Distribuição de lucros mediante uma redução de capital social antecedida de aumento do mesmo.

Este tipo de diplomas suscitam muitas dúvidas quanto à sua real eficácia, para além de naturais problemas relativos, nomeadamente, ao sigilo profissional, mas uma coisa é certa: têm, a nosso ver, um importante papel de prevenção e moralização de um sistema no qual, como sabemos, os grandes contribuintes se continuam a mover com relativa facilidade… Basta pensarmos no Estado norte-americano de Delaware, onde reina uma opacidade fiscal, agora menos publicitada, que, (in)explicavelmente tem desde sempre resistido a todos estes movimentos.

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