Bento XVI pede perdão às vítimas de abusos na arquidiocese de Munique, mas nega ter sabido

O Papa emérito mostrou a sua “profunda solidariedade” para com as vítimas, mas não assumiu culpas directas. “Não há evidências que provem o contrário”, dizem os seus advogados.

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O Papa Bento XVI é acusado de ter encoberto quatro casos de abusos sexuais quando era arcebispo de Munique MAURIZIO BRAMBATTI/EPA

Numa carta publicada esta terça-feira, o Papa emérito Bento XVI tomou uma posição face ao relatório encomendado pela arquidiocese de Munique, na Alemanha, divulgado há duas semanas. Nesse documento, Joseph Ratzinger foi acusado de ter sabido e mesmo encoberto quatro casos de abusos sexuais ocorridos na arquidiocese nos anos em que era arcebispo.

“Uma vez mais, só posso expressar a todas as vítimas a minha profunda vergonha, o meu profundo pesar e pedir as minhas sinceras desculpas”, escreveu Bento XVI, citado pela Vatican News. Expressou “dor pelos abusos e erros que ocorreram em diferentes lugares durante o tempo” do seu mandato.

Esta carta surge em resposta ao relatório de 1900 páginas divulgado pela sociedade de advogados Westpfahl Spilker Wastl em meados de Janeiro, resultado de uma investigação sobre os abusos sexuais ocorridos na arquidiocese de Munique entre 1945 e 2019. Pelo menos 497 casos foram revelados, tendo quatro deles sido registados entre 1977 e 1982, quando o então cardeal Joseph Ratzinger era arcebispo.

Apesar de reconhecer que tem tido “grandes responsabilidades na Igreja Católica”, o cardeal agora de 94 anos não chega a admitir culpas nem a assumir responsabilidades directamente sobre os abusos que a empresa diz terem ocorrido debaixo dos seus olhos. Os críticos dizem, por isso, que esta posição é insuficiente e repetitiva. “As vítimas já não suportam ouvir mais isto”, diz ao Die Zeit Hanz Zollner, monge que integra a Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores.

Em conjunto com a carta pessoal de Bento XVI, quatro dos seus advogados partilharam um documento que procura desmentir as acusações que foram levantadas pela Westpfahl Spilker Wastl, na qual reforçam a inocência do acusado.

“O relatório não contém nenhuma prova que sustente as alegações de má conduta ou de que ajudou num encobrimento”, defendem.

Carsten Brennecke, um dos advogados pertencentes a este “pequeno grupo de amigos” a que o papa se refere na carta e a quem presta o seu agradecimento, afirma, em entrevista ao Der Spiegel, que só encontraram no relatório “rumores e boatos”. E acrescenta que “é também um mal-entendido acreditar que um arcebispo faz tudo na sua diocese”.

Omissão e mal-entendidos

Entre os quatro casos em que o Papa se encontra alegadamente envolvido, há um em particular que levantou mais dúvidas entre os críticos. Bento XVI negara inicialmente ter participado numa reunião no ano de 1980, na qual se decidira aceitar na arquidiocese um padre que tinha um passado marcado por abusos sexuais (e que viria a cometer mais abusos no futuro) e procurava fazer uma “terapia”. No entanto, pouco depois de o relatório ser publicado, o Papa admite ter estado, afinal, presente nesta reunião, contrariando o que tinha dito anteriormente.

A razão, garante o advogado de Bento XVI, foi um erro de comunicação entre a equipa de trabalho no momento da divulgação do comunicado do Papa, que levou a que fosse dito que Ratzinger nunca estivera nesta reunião.

O Papa desconhecia realmente o historial de abusos sexuais do padre que procurava uma “terapia”, mesmo tendo estado presente na reunião em que o clérigo foi aceite na arquidiocese? O advogado reiterou ao Der Spiegel que tal assunto não terá sido mencionado no encontro. Também a razão para a necessidade desta terapia não terá sido tema, de acordo com a acta da reunião.

Segundo menciona ainda Bento XVI na sua carta, o actual chefe de Estado do Vaticano tem estado a acompanhá-lo nesta situação, pelo que está grato “pela confiança, apoio e oração” que o Papa Francisco lhe tem prestado pessoalmente.

Por motivos de “exaustão”, o Papa emérito abdicou do seu cargo em 2013. Foi a primeira vez que um papa pediu a demissão em 600 anos.

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