Bento XVI acusado de inacção em caso de abusos sexuais na igreja de Munique

Relatório pedido pela própria arquidiocese diz que o então cardeal Joseph Ratzinger ignorou casos em que havia suspeitas de abusos sexuais entre 1977 e 1982. Há quatro casos em que pode ser acusado.

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Bento XVI, quando se despediu dos fiéis, em 2013 Reuters/Alessandro Bianchi

O Papa emérito Bento XVI não tomou qualquer medida depois de ter recebido informação de potenciais casos de abuso na sua arquidiocese quando era arcebispo de Munique, segundo um relatório encomendado pela própria arquidiocese, divulgado esta quinta-feira.

O relatório de 1900 páginas resulta da investigação da empresa de advogados Westpfahl Spilker Wastl (WSW), de Munique, que foi contratada, em 2020, para investigar alegações de abuso sexual na arquidiocese entre 1945 e 2019.

A empresa divulgou agora a conclusão das suas averiguações, em que identificou pelo menos 497 vítimas em sete décadas, e investigou alegações contra 261 pessoas, das quais 205 eram clérigos. No entanto, estes números não representarão a escala real dos abusos. “Estamos convencidos de que é muito mais alargado”, disse, na conferência de imprensa em que o relatório foi apresentado esta quinta-feira, Martin Push, um dos advogados responsáveis pelo relatório.

A empresa diz ainda que a alegação de Ratzinger – de que não tinha qualquer conhecimento de quaisquer casos suspeitos durante o tempo em que liderou a arquidiocese, entre 1977 e 1982 – não é credível.

Os advogados dizem que Bento XVI pode ser acusado em quatro casos, incluindo um em que aceitou um padre na sua arquidiocese mesmo depois de este ter sido condenado por abuso sexual num tribunal criminal. “As averiguações mostram que o cardeal Ratzinger tinha conhecimento da história do padre”, declarou Pusch.

“O arcebispo cardeal Ratzinger, com o seu comportamento nesse caso, deu unilateralmente prioridade aos interesses da Igreja e dos padres sobre os interesses da parte lesada”, sentenciava o relatório.

O documento, comenta o Washington Post, “permite uma visão extremamente rara de como alguém que chegou a Papa agiu nos bastidores de uma das crises definidoras da Igreja moderna”, numa época “muito anterior à escala dos abusos ser pública”.

Este foi “um terramoto histórico” para a Igreja, declarou Matthias Katsch, porta-voz de um grupo de vítimas. “Esta casa de mentiras que foi construída aqui em Munique para proteger o cardeal Ratzinger, o Papa Bento XVI, caiu hoje”, congratulou-se.

Os advogados também acusaram o cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e Freising desde 2008, de má conduta em dois casos de suspeita de abuso. No ano passado, o Papa Francisco rejeitou a sua oferta de demissão como arcebispo por causa da crise de abusos.

O relatório aponta também falhas ao actual arcebispo de Munique, o cardeal Reinhard Marx, de 68 anos, em dois casos suspeitos (Marx não é, ele próprio, suspeito de participação nos abusos). No ano passado, o Papa Francisco rejeitou um pedido de demissão de Marx, seu aliado próximo, por causa da crise de abusos.

Um porta-voz do Papa emérito, que aos 94 anos vive no Vaticano, não respondeu a um pedido de comentário da agência Reuters. Bento XVI renunciou em 2013.

O Vaticano reagiu com uma declaração em que, sem nomear Bento XVI, promete fazer uma análise depois de examinar todos os pormenores do relatório.

A Igreja Católica alemã – uma das mais ricas graças, em parte, ao imposto pago pelos seus membros – tem sido afectada por uma série de descobertas de abusos. Em 2018, um relatório pedido pela Conferência Episcopal Alemã concluiu que pelo menos 1670 membros do clero do país tinham cometido algum tipo de ataque sexual contra 3677 menores entre 1946 e 2014. A Igreja pediu, nessa altura, desculpas.

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