Desde 2006 que Orbán não tem um debate com a oposição

Podemos afirmar, sem nos rirmos, que a Hungria é uma democracia plena? O certo é que, mesmo perante a ausência de debates, os especialistas apontam estas eleições como as mais importantes da última década, capazes de romper com um reinado de 12 anos seguidos por parte de Viktor Orban - pois desde 2006 que as sondagens não eram tão renhidas.

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Reuters/POOL

As eleições parlamentares húngaras estão marcadas para Abril deste ano. Péter Márki-Zay, líder da oposição húngara, fez um pedido impensável: convidar Viktor Orbán para um debate televisivo. Orbán, primeiro-ministro há 12 anos no país, declinou e acrescentou que rejeita sequer pronunciar o nome do rival político.

Em Portugal, com todos os seus defeitos, o clima de pré-eleições é pautado pelos actuais desfiles plurais, avultados cartazes e panfletos A5; debates políticos em horário nobre, com todos os principais candidatos de diferentes partidos, emitidos em vários canais, em vários jornais, com vários jornalistas e escrutinados quer pela plateia que os ouve, quer pelos intermináveis comentadores políticos dos vários quadrantes. Não será exagerado afirmar que o debate político é uma parte essencial não só da nossa democracia, mas como de quase todas no mundo ocidental. Quem nunca ouviu falar do debate Nixon vs Kennedy?

Mas na Hungria isso não existe. Existe, em contrapartida, uma espécie de guerra fria, de bullying intimidatório, em que o capataz esventra o adversário sem sair da sua própria arena. Estas eleições opõem essencialmente dois candidatos. Orbán, líder do partido ultra-conservador Fidesz e primeiro-ministro da Hungria desde 2010, contra Péter Márki-Zay, cristão conservador e pai de sete filhos, líder da oposição - uma gigantesca “geringonça” que une a direita conservadora, ecologistas, socialistas e liberais.

Cada um veicula a mensagem à sua maneira, sendo certo que o palco de transmissão de ideias está imensuravelmente inclinado. Os media no país dos magiares são uma espécie de “pasto” onde a carroça do Governo anda a trote, sem qualquer obstáculo. A quatro meses das eleições o barulho da propaganda tornou-se ensurdecedor.

A televisão pública (M1, uma espécie de RTP) é assumidamente pró-governo. E não só não convida os membros da oposição, como também se debruça frequentemente num constrangedor culto ao líder do Fidesz. As rádios são do governo ou detidos por empresários amigos do governo, que constantemente troçam dos opositores políticos. E os jornais são quase todos eles detidos também ou pelo governo ou por amigos do Orbán – de sublinhar que o principal jornal da oposição até 2019, o Index, foi comprado por um empresário, também amigo do líder do Fidesz e o jornal anti-governo, o Népszabadsag, fechou as portas repentinamente em 2016.

A oposição defende se com o que pode. Usa o Facebook, alguns cartazes (os que não são vandalizados) e alguns jornais, como o telex ou 444, que estranhamente ainda não estão açaimados pelo mesmíssimo governo (será questão de tempo). Talvez por se aperceber destes ângulos cegos, Péter Márki- Zay convidou Orbán para um debate televisivo.

É sabido que Orbán é um excelente orador, mas péssimo em debates. Em qualquer púlpito, o líder do Fidesz faz levantar as massas, com os seus discursos apoteóticos, que unem os húngaros numa mesma harmonia colectiva contra todos os pretensos inimigos (como a globalização, a UE ou os refugiados). Mas nos debates sempre se viu frágil e atabalhoado. Depois de 2006, onde foi derrotado unanimemente pelo adversário político do MSZP, Gyurcsány, nunca mais teve um debate. Perante algumas acusações de cobardia, uma fonte oficial do Fidesz disse que Orbán não vai a debates porque “os debates são uma perda de tempo e apenas ajudam os que são da oposição - que são fracos e pequenos”.

Podemos afirmar, sem nos rirmos, que a Hungria é uma democracia plena? O certo é que, mesmo perante a ausência de debates, os especialistas apontam estas eleições como as mais importantes da última década, capazes de romper com um reinado de 12 anos seguidos por parte de Viktor Orban - pois desde 2006 que as sondagens não eram tão renhidas.

E sente-se que estas eleições serão disputadas. Neste inverno rigoroso de Budapeste, o clima de pré-eleições está despido dos adereços que o caracterizam. Mas vejo cada vez mais húngaros, encasacados e entalados em bares, a discutir política com uma fluidez inédita. Quase sempre sem consenso. Quase sempre com uma honestidade gélida, traço que caracteriza este povo reservado, granítico. O que os separa não é tanto a ideologia de esquerda ou de direita, mas sim a Hungria que quer Orbán versus a Hungria que não quer Orbán.

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